O Ministério Público Federal (MPF) ajuizou, na segunda-feira (8), uma ação civil pública pedindo a suspensão imediata de todos os concursos em andamento da Marinha. O órgão acusa a instituição de descumprir a Lei de Cotas em vigor, ao aplicar de forma irregular a reserva de vagas para pessoas pretas, pardas, indígenas, quilombolas e com deficiência.
Fracionamento de vagas prejudica cotistas
Segundo o MPF, a prática identificada foi o fracionamento das vagas por especialidades e até subespecialidades, reduzindo artificialmente a base de cálculo sobre a qual os percentuais das cotas devem ser aplicados. Com isso, o número de vagas reservadas foi menor do que o exigido pela legislação.
Um dos exemplos citados é o concurso para o quadro técnico do Corpo Auxiliar da Marinha, que oferece 62 vagas. Quando o edital foi lançado, em fevereiro, a lei previa a reserva mínima de 20% para candidatos negros e 5% para pessoas com deficiência. No entanto, foram disponibilizadas apenas 11 vagas para cotistas raciais — abaixo do percentual devido — e nenhuma vaga para candidatos com deficiência.
Áreas afetadas pela divisão de editais
O problema se agravou porque o edital foi dividido em 15 perfis profissionais distintos. Áreas como Arqueologia, Estatística, História, Oceanografia e Serviço Social, que tinham apenas uma vaga cada, não reservaram postos para cotistas. Na área de informática, a situação foi ainda mais grave: as vagas foram subdivididas em quatro ramos (“banco de dados”, “desenvolvimento de sistemas”, “infraestrutura de TI” e “desenvolvimento da informação”). Para o MPF, essa segmentação limitou ainda mais o alcance da política afirmativa.
“Evidente ilegalidade”, diz procuradora
A procuradora regional dos Direitos do Cidadão em São Paulo, Ana Letícia Absy, autora da ação, classificou o modelo como “evidente ilegalidade” e acusou a Marinha de manipular os editais para inviabilizar a reserva de cotas. “A divisão por especialidades e até mesmo subespecialidades, gerando a oferta separada de vagas, vinha e vem servindo de estratégia para afastar a incidência da legislação. Trata-se de manipulação das vagas previstas no edital, inviabilizando a reserva imediata de cotas para seus destinatários”, afirmou.
MPF afirma que editais da Marinha manipulam a distribuição de vagas
Marinha rejeitou recomendação do MPF
Antes de recorrer à Justiça, o MPF havia enviado recomendação extrajudicial pedindo que a Marinha corrigisse os editais em andamento e aplicasse os percentuais obrigatórios sobre o total de vagas, mas a força recusou. A justificativa foi que o cálculo global poderia comprometer o preenchimento de áreas técnicas e estratégicas, como saúde, engenharia e tecnologia.
Atualmente, a Marinha possui 12 concursos em andamento, entre eles o de ingresso no Quadro Técnico de Praças da Armada (QTPA), no Colégio Naval (CPACN), na Escola Naval (CPAEN), nas Escolas de Aprendizes-Marinheiros (CPAEAM), nos Quadros Complementares de Oficiais (QC-CA/FN/IM) e no Corpo Auxiliar de Praças (CAP), cujo edital mais recente, de maio, trouxe 400 vagas para cursos de formação de nível médio/técnico. As provas deste concurso estão previstas para 28 de setembro, mas ainda não há definição se o cronograma será afetado pela ação judicial.
O que diz a Lei de Cotas
A Lei nº 15.142/2025, em vigor desde junho, ampliou a política de cotas em concursos públicos federais. Agora, os certames devem reservar no mínimo 30% das vagas para candidatos pretos, pardos, indígenas ou quilombolas, além de 5% para pessoas com deficiência.
A divisão dos 30% ocorre da seguinte forma: 25% para pessoas negras, 3% para indígenas e 2% para quilombolas. O decreto que regulamenta a norma (Decreto nº 12.536/2025) detalhou ainda como será feita a verificação das autodeclarações, estabelecendo comissões de avaliação fenotípica no caso de negros e exigindo a participação de representantes das próprias comunidades para indígenas e quilombolas.
Outro ponto da lei garante que, se o candidato cotista for aprovado na ampla concorrência, sua vaga não será descontada da cota, o que amplia o acesso de outros beneficiários.
Além disso, o Supremo Tribunal Federal (STF) já consolidou, em 2017, o entendimento de que o fracionamento de vagas por especialização não pode ser usado para reduzir ou inviabilizar a reserva de cotas, exatamente o que o MPF aponta como irregularidade nos editais da Marinha.
Justiça decidirá futuro dos certames
Com a ação judicial, caberá à Justiça Federal decidir se os concursos da Marinha em andamento serão suspensos até a adequação dos editais às normas vigentes. Para o MPF, a situação é clara: ao fracionar as vagas e deixar de aplicar os percentuais sobre o total dos postos, a Marinha desrespeitou a legislação e restringiu indevidamente o direito de acesso de cotistas aos certames.
Até a conclusão desta reportagem, a instituição não havia se manifestado sobre o pedido do MPF.
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