O senador Hamilton Mourão, do Republicanos gaúcho, apresentou em 19/10/2023 o projeto de Lei n° 5064, que “concede anistia aos acusados e condenados pelos crimes definidos nos arts. 359-L e 359-M do Código Penal, em razão das manifestações ocorridas em Brasília, na Praça dos Três Poderes, no dia 8 de janeiro de 2023”. No fim da tarde desta sexta-feira, 5/9, o site do Senado reunia 614.709 manifestações contrárias à e 567.196 favoráveis à ideia, que se foi apresentada pelo vice de Jair Bolsonaro quando presidente de República, o relator veio do front inimigo, o senador Humberto Costa, do PT do Pernambuco.
Há, em todas as formas de mídias, posts apaixonados para os dois lados, mas o que abre chance ao projeto é seu parágrafo único: “Esta Lei não alcança as acusações e as condenações pelos crimes de dano qualificado, deterioração de patrimônio tombado e associação criminosa, porventura ocorridas em razão das manifestações indicadas no caput deste artigo.” Esses delitos preveem penas menores, insuficientes para deixar alguém na cadeia, muito diferente dos anos de cárcere previstos para ações que Mourão deseja perdoar.
Há nos meios jurídicos e políticos a sensação de que basta punir quem vandalizou, já que para os demais atos não há qualquer prova. Na próxima semana, o Supremo Tribunal Federal vai continuar o julgamento dos 8 odiados pela esquerda, Jair Bolsonaro e 7 de seus auxiliares no governo. Todos são acusados de cometer os tais crimes dos artigos 359-L e 359-M, além de outras condutas que o STF não soube individualizar e tascou para todos. Do que tratam esses trechos da lei?
Em 2021, o então ministro da Justiça e Segurança Pública do governo Bolsonaro, Sergio Moro, teve a grande sacada de tirar delitos da moribunda Lei de Segurança Nacional e coloca-los no fim do Código Penal. Criou-se o título XII, “Dos crimes contra o estado democrático de direito”, em cujo capítulo II, “Dos crimes contra as instituições democráticas”, estão os dois crimes, “Abolição violenta do estado democrático de direito” (artigo 359-L) e “Golpe de estado” (359-M). Mas nenhum erro é tão grande que não possa piorar: ambos começam com o verbo “tentar”. Ou seja, não precisa dar golpe nem abolir com violência o estado de direito, basta tentar. E o que é tentar? A resposta está na cabeça de quem julga – no caso a que se refere, os cinco ministros que integram a 1ª Turma do STF.
O artigo 359-L é duríssimo com quem “tentar, com emprego de violência ou grave ameaça, abolir o Estado Democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais”. A pena é de reclusão (o condenado começa a cumpri-la em regime fechado) de 4 a 8 anos, mais o tempo de cadeia correspondente à violência – se matou alguém, vai pegar os, digamos, 20 anos do homicídio, mais 8 da tentativa de abolir o EDD.
O 359-M é ainda mais demolidor: “Tentar depor, por meio de violência ou grave ameaça, o governo legitimamente constituído, reclusão, de 4 a 12 anos, além da pena correspondente à violência”. Se o julgador entender que escrever com batom numa estátua é tentativa de golpe, adeus, ninguém vai dar nem as horas para o último artigo de crimes do código, o 359-T, que livra a moçada: “Não constitui crime previsto neste Título a manifestação crítica aos poderes constitucionais nem a atividade jornalística ou a reivindicação de direitos e garantias constitucionais por meio de passeatas, de reuniões, de greves, de aglomerações ou de qualquer outra forma de manifestação política com propósitos sociais”. Esse aí nunca apareceu nos julgamentos do STF para o caso das vítimas do 8/1.
Por esse projeto de Mourão, Jair Bolsonaro seria anistiado e poderia ser candidato a presidente em 2026? Não. O caso é somente o do 8/1. O que o tornou inelegível foi algo ainda mais tosco para um tribunal condenar, o discurso a representantes estrangeiros.
Constituição proíbe para tortura, tráfico, terrorismo e hediondos
O artigo 5º da Constituição da República Federativa do Brasil é um poema das liberdades individuais. Porém, o inciso XLIII acaba com a festa de monstros perigosos: veda fiança e perdão a quem pratica “tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem”. O pessoal do 8/1 não se encaixa nessa lista de proibições.
A CF trata do tema em outros trechos. No inciso XVII do artigo 21, diz que conceder anistia compete à União. Mesmo que a Assembleia Legislativa e a Câmara Municipal queiram se compadecer dos condenados por Alexandre de Moraes, vai depender de deputados federais e senadores. É do que fala o artigo 48: “Cabe ao Congresso Nacional, com a sanção do Presidente da República, dispor sobre todas as matérias de competência da União, especialmente sobre concessão de anistia”. Por isso, o que está sendo debatido é a proposição de um senador.
Os ADCT, Atos das Disposições Constitucionais Transitórias, tratam da outra face de anistiados, a maioria ligada à esquerda. Diz o artigo 8º. “É concedida anistia aos que, no período de 18 de setembro de 1946 até a data da promulgação da Constituição, foram atingidos, em decorrência de motivação exclusivamente política, por atos de exceção, institucionais ou complementares, aos que foram abrangidos pelo Decreto Legislativo nº 18, de 15 de dezembro de 1961 , e aos atingidos pelo Decreto-Lei nº 864, de 12 de setembro de 1969 , asseguradas as promoções, na inatividade, ao cargo, emprego, posto ou graduação a que teriam direito se estivessem em serviço ativo, obedecidos os prazos de permanência em atividade previstos nas leis e regulamentos vigentes, respeitadas as características e peculiaridades das carreiras dos servidores públicos civis e militares e observados os respectivos regimes jurídicos”.
O § 5º do artigo 8º do ADCT: “A anistia concedida nos termos deste artigo aplica-se aos servidores públicos civis e aos empregados em todos os níveis de governo ou em suas fundações, empresas públicas ou empresas mistas sob controle estatal, exceto nos Ministérios militares, que tenham sido punidos ou demitidos por atividades profissionais interrompidas em virtude de decisão de seus trabalhadores, bem como em decorrência do Decreto-Lei nº 1.632, de 4 de agosto de 1978 , ou por motivos exclusivamente políticos, assegurada a readmissão dos que foram atingidos a partir de 1979, observado o disposto no § 1º”.
Ao Google, moçada, porque compensa conhecer os decretos 18/1961, 864/1969 e 1.632/1978.
Essas conquistas da esquerda são tudo o que a direita pede em projetos como o do senador Mourão.
O post Projeto de anistia é justo, pois só pega quem cometeu crime apareceu primeiro em O Hoje.