As décadas de convivência entre criminosos comuns e presos políticos nas celas de cadeias do Rio Janeiro renderam ao Brasil gerações de políticos especializados em crime e bandidos doutores em organização política. Dessa simbiose nasceram facções como o Comando Vermelho, o conjunto nacional de malfeitores que está na ordem do dia no Congresso Nacional, novamente o delito ocupando espaço na agenda dos Poderes constituídos. Depois de as forças de segurança fluminenses entrarem em dois complexos governados pelo CV, os do Alemão e da Penha, autoridades com mandato se organizaram e o Governo Federal mandou à Câmara dos Deputados mais um daqueles projetos salvadores da lacração. Claro que deu bode. Ainda está dando, mesmo para quem pegou o bode andando.
O presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos/PB), encarregou o deputado Guilherme Derrite (PP-SP) de relatar o Projeto de Lei Antifacção. Depois de ler o PL, Capitão Derrite, oriundo da Polícia Militar paulista e secretário de Segurança Pública no governo de Tarcísio de Freitas (Republicanos), propôs mudanças no texto. Sua ideia era óbvia: equiparar o crime organizado ao terrorismo. É uma discussão que vem de longe. Na época do regime militar (1964-1985), era um deus nos acuda e Deus acudiu apenas alguns.
Quando surgiu a oportunidade de incluir na Constituição da República, que estava sendo escrita em 1987 e 1988, a esquerda deu chute para todo lado e conseguiu proteger as duas categorias que Derrite queria equiparar, o crime organizado e o terrorismo. Por incrível que possa parecer, apenas no governo de Jair Bolsonaro (2019-2022) a coisa piorou para eventual inconformado com as instituições. Bolsonaro confiou ao juiz federal Sergio Moro, então ministro da Justiça e Segurança Pública e hoje senador pelo Paraná, o famigerado Pacote Anticrime. E adivinhe onde Moro colocou os crimes que tirou da falecida Lei de Segurança Nacional? Pois é, no Código Penal. Foi uma medida tão infeliz que os primeiros alcançados pelo equívoco de Moro são os envolvidos nas manifestações do 8 de janeiro de 2023.
O que Derrite tentou está longe do protestado por representantes da Polícia Federal. Ali não se discute o crescimento ou a inanição deste ou daquele órgão, mas a perenidade das políticas públicas de segurança. Um exemplo é a carcerária. Não há, nos presídios federais, vagas para todos os chefes de organizações criminosas. Nos estaduais e no distrital, em Brasília, eles deitam e rolam – literalmente. Outro inibidor da tranquilidade nas ruas é a legislação. Como não existem penas de morte nem de caráter perpétuo, uma hora terão de voltar às ruas os chefes das facções, como Marco Marcola Camacho, Marcinho VP e Fernandinho Beira-Mar. As autoridades têm aplicado diversos dribles para segurar esse trio atrás das grades.
As esquerdas tentam, e até o momento têm conseguido, proteger os criminosos. Já é considerada clássica a foto de dezenas de corpos estendidos numa praça da favela, resultado do enfrentamento entre policiais e bandidos na Serra da Misericórdia, entre os complexos da Penha e do Alemão. Por que clássica? Porque a militância esquerdista nas redes sociais, nas faculdades e nas mídias tradicionais decidiu que assim será. Se é impossível modificar a narrativa sobre uma imagem, como Derrite sonhou que enquadraria os queridinhos da imprensa? Não tem jeito. Por enquanto, pelo menos.
A ginástica das leis para livrar os terroristas
A Constituição da República Federativa do Brasil é chamada de Carta Cidadã, Carta Magna, Lei Maior, esses nomes bonitos. Na verdade, trata-se de um amontoado de quereres pós-período dos generais na presidência. Um dos maiores nomes de sua confecção, Nelson Jobim, já confessou como foram redigidos e inclusos no texto algumas decisões – ninguém se atentava sequer para o que era votado, quanto mais para um inciso despretensioso, um parágrafo pouco claro, e o produto final é esse horror. Era o tempo de o PT e demais partidos de esquerda, inclusive o PSDB, expor seus filiados que haviam padecido com o regime. Não podia dar certo. E não deu.
No caso dos terroristas, que o deputado Capitão Derrite queria no mesmo nível dos faccionados, a questão vem desde a Constituinte. A esquerda tantas fez que impediu a inclusão do crime de terrorismo entre os imprescritíveis. Ou seja, ele prescreve, vence, passa da hora de denunciar. O racismo é considerado pior que o terrorismo, pois é imprescritível. Para dar o tamanho de sua monstruosidade, só anos depois seria incluído na Lei de Crimes Hediondos. O que Derrite desejava, o PT não deixaria nem se tivesse de mudar o nome do Brasil.








