O Supremo Tribunal Federal (STF) deu um passo histórico no enfrentamento à violência doméstica ao decidir que mulheres vítimas desse tipo de crime têm direito a receber salário ou benefício previdenciário durante o período em que precisarem se afastar do trabalho por força de medidas protetivas.
A decisão, unânime, reforça a aplicação da Lei Maria da Penha e reconhece que a violência contra a mulher não provoca apenas danos físicos e psicológicos, mas também impactos econômicos profundos.
Com a validação dos dispositivos legais, mulheres que necessitarem se afastar do ambiente profissional para preservar sua integridade física e emocional terão garantida uma fonte de renda por até seis meses. A medida busca impedir que a dependência financeira continue sendo um dos principais obstáculos para que vítimas consigam romper com o agressor e reconstruir suas vidas com dignidade.
A decisão foi tomada no julgamento de um recurso do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e tem repercussão geral, o que significa que o entendimento deverá ser seguido por todas as instâncias do Judiciário em casos semelhantes.
Proteção amplia o alcance da Lei Maria da Penha
A Lei Maria da Penha já previa a possibilidade de afastamento do trabalho com manutenção do vínculo empregatício por até seis meses. No entanto, ainda havia controvérsia sobre quem deveria arcar com o pagamento durante esse período. O STF resolveu essa lacuna ao estabelecer regras claras.
Para mulheres seguradas do Regime Geral de Previdência Social, como empregadas formais, contribuintes individuais, facultativas ou seguradas especiais, os primeiros 15 dias de afastamento devem ser pagos pelo empregador. Após esse prazo, o benefício passa a ser de responsabilidade do INSS. Já nos casos em que a mulher contribui para a Previdência, mas não possui vínculo empregatício ativo, o pagamento será integralmente feito pelo instituto.
Quando a vítima não for segurada do INSS, o benefício assume caráter assistencial, por meio do Benefício de Prestação Continuada (BPC), desde que fique comprovado que ela não possui outros meios de garantir a própria subsistência.
Para a advogada criminalista Isadora Costa, a decisão representa um avanço essencial. “O STF trouxe efetividade a um direito que já existia na lei, mas que não era plenamente aplicado. Ao garantir renda, o Estado oferece segurança para que a mulher consiga sair do ciclo de violência sem o medo imediato de perder o sustento”, explica.
O acesso ao benefício não é automático. A solicitação deverá ser feita pelo juiz criminal responsável pela análise das medidas protetivas previstas na Lei Maria da Penha. Esse procedimento torna o processo mais ágil, pois integra a decisão judicial à garantia econômica necessária para a proteção da vítima.
Segundo Isadora Costa, a orientação é que a mulher registre a ocorrência policial e busque acompanhamento jurídico. “É fundamental procurar um advogado ou a Defensoria Pública. Essas instituições podem analisar cada caso e garantir que os direitos previdenciários e assistenciais sejam efetivados”, afirma.
Em Goiás, além da atuação do Judiciário, Ministério Público e Defensoria Pública, existem programas estaduais que auxiliam mulheres em situação de violência, como transferência de renda, qualificação profissional e redução de despesas básicas. Embora esses programas não substituam o benefício previdenciário reconhecido pelo STF, eles contribuem para a autonomia financeira da vítima.
STF responsabiliza agressores e impede que custo fique só para o Estado
A decisão do STF também reforça a responsabilização dos agressores. A Justiça Federal será competente para julgar ações regressivas, permitindo que o INSS cobre dos responsáveis pela violência os valores pagos às vítimas. Dessa forma, o custo da violência não recai exclusivamente sobre o Estado.
Para a advogada previdenciária Apoliana Morais, o entendimento do STF tem natureza híbrida, mas com prevalência previdenciária. “Para mulheres seguradas, o afastamento funciona de forma semelhante ao auxílio-doença, com pagamento pelo INSS após os 15 primeiros dias. Já para quem não é segurada, o caráter é assistencial. O mais importante é que nenhuma mulher fique sem renda durante esse período crítico”, destaca.
A especialista ainda destaca questões burocráticas de enfrentamento das mulheres e que mudanças deverão ser realizadas para o funcionamento da medida. “Historicamente o INSS já enfrenta filas gigantes em perícia e concessão de benefícios; sem reforço operacional haverá transição com problemas práticos (atrasos e decisões judiciais suplementares). Portanto, a implementação exigirá mudanças administrativas e eventualmente normativas rápidas para evitar que a vítima fique sem renda por falhas burocráticas”,explica.
Dados recentes da Pesquisa Nacional de Violência contra a Mulher revelam a gravidade do cenário no País. Somente em 2025, cerca de 3,7 milhões de brasileiras sofreram violência doméstica ou familiar. Em mais de 70% dos casos, as agressões foram testemunhadas por terceiros, muitas vezes pelos próprios filhos das vítimas. Quase 60% das mulheres relataram episódios recorrentes em um intervalo inferior a seis meses.
Nesse contexto, especialistas apontam que a dependência financeira ainda é um dos principais fatores que mantêm mulheres em relacionamentos abusivos. “Quando o agressor controla a renda ou impede que a mulher trabalhe, ele reforça o domínio e dificulta a denúncia”, explica Isadora Costa.
Ao garantir renda durante o afastamento do trabalho, o STF amplia a rede de proteção às mulheres e consolida o entendimento de que combater a violência doméstica exige ações integradas nas esferas criminal, social e econômica. A decisão representa um marco na busca por dignidade, autonomia e justiça para milhares de mulheres brasileiras.
A decisão do STF também representa um avanço institucional ao reconhecer que o enfrentamento à violência doméstica exige respostas integradas do Estado.
Especialistas avaliam que a medida tende a aumentar a efetividade das medidas protetivas, uma vez que reduz o medo da perda de sustento, fator que historicamente impede muitas vítimas de denunciar seus agressores.
Além disso, a definição clara das responsabilidades entre empregadores, INSS e Poder Judiciário traz maior segurança jurídica e uniformidade na aplicação da Lei Maria da Penha em todo o Brasil.
Com a fixação de tese de repercussão geral, tribunais estaduais e federais deverão seguir o entendimento do STF, evitando decisões divergentes e garantindo tratamento igualitário às vítimas.
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