A inauguração de uma fonte de água no Parque Vaca Brava, no Setor Bueno, no último dia 19 de agosto, virou motivo de polêmica em Goiânia. O equipamento apresentado pela Prefeitura como se estivesse “parado há anos” havia sido instalado no ano passado no Parque da Lagoa, no Setor Parque Industrial João Braz, região periférica da Capital, onde funcionava regularmente.
A fonte foi retirada do João Braz há cerca de dois meses. Frequentadores confirmam que ela estava em operação desde abril de 2024, quando foi inaugurada no lago do parque durante a gestão do ex-prefeito Rogério Cruz (SD). À época, a administração municipal destacou a altura de 25 metros alcançada pelo jato d’água e a função de oxigenar a água do lago.
Na cerimônia de reinauguração no Vaca Brava, a atual gestão, comandada por Sandro Mabel (UB), informou que o equipamento estava inativo havia anos e ressaltou que sua recuperação faz parte de um processo de revitalização dos parques públicos.
“Essa estrutura estava parada há mais de dez anos. Nós estamos recuperando equipamentos em diferentes parques, dentro de um grande processo de revitalização dos espaços públicos de Goiânia”, afirmou o prefeito durante o evento.
Durante sessão na Câmara Municipal de Goiânia, nesta quarta-feira (27) o vereador Luan Alves (MDB) criticou a retirada da fonte instalada no Parque Vaca Brava, medida realizada pela Agência Municipal do Meio Ambiente (Amma). O parlamentar afirmou que a decisão é “irresponsável” e classificou a ação como um retrocesso na gestão dos espaços públicos da Capital.
Luan lembrou que, enquanto presidente da Amma, foi responsável pela instalação da fonte no Parque Vaca Brava e no Parque da Lagoa, no Setor João Braz. Para ele, a retirada de um equipamento para ser realocado em outro local representa a incapacidade da gestão atual de criar soluções para a cidade.
“Isso é jogar sujeira para debaixo do tapete. A Prefeitura tem que desenvolver Goiânia, não apenas mudar os problemas de lugar. É um absurdo gastar para retirar uma fonte de um parque e depois pensar em colocá-la de volta”, criticou.
O vereador cobrou explicações da atual presidente da agência e anunciou que irá apresentar um requerimento solicitando informações formais sobre a decisão. Ele também não descartou recorrer à Justiça.
“Vou ingressar com requerimento e, se for preciso, judicializar a situação. A presidente da Amma tem que responder pelos seus atos. Não é aceitável retirar uma atração de um bairro da região Oeste para transferir para áreas nobres da cidade. O morador do João Braz paga os mesmos impostos que quem mora no Bueno ou no Marista”, disse.
Alves pediu ainda a intervenção do prefeito para orientar o secretariado. Segundo ele, a retirada da fonte fere a lógica de uma gestão responsável. “Isso não é trabalho, beira à insanidade. É uma imbecilidade do gestor da Amma. Eu exijo respeito com os moradores da minha região, que me confiaram o mandato. Vou honrar essa confiança fiscalizando e cobrando do Executivo”, concluiu.
O urbanista Fred Le Blue avaliou como grave erro urbanístico e social a decisão da agência de remover uma fonte luminosa do Parque da Lagoa, para reinstalá-la no Parque Vaca Brava. Para ele, a medida aprofunda desigualdades socioespaciais históricas em Goiânia.
Segundo o especialista, a retirada de equipamentos de lazer e de ornamentação climática de regiões periféricas em direção aos bairros centrais não atende ao interesse público nem ao princípio da razoabilidade.
“Essa decisão aprofunda a injustiça territorial ambiental em Goiânia, privando os moradores do João Braz do direito à cidade e à natureza. Trata-se de uma pseudosolução que privilegia áreas nobres e desfavorece os mais vulneráveis”, afirmou.
No campo simbólico, Fred Le Blue entende que a escolha reflete uma visão elitista e mercadológica da gestão municipal. “É um gesto que carrega traços de eugenia social. A Prefeitura reforça a ideia de que determinados moradores merecem mais infraestrutura e qualidade de vida que outros, quando o correto seria garantir urbanidade e bem-estar em todos os cantos da cidade”, disse.
Urbanista vê “Robin Hood às avessas” e denuncia racismo ambiental
O urbanista lembrou que situações semelhantes ocorrem em outras políticas públicas, como na iluminação urbana. Ele citou o exemplo do Programa Brilha Goiânia, que substitui lâmpadas antigas por LED. Apesar da proposta contemplar toda a cidade, segundo ele, bairros de elite, como o Residencial Aldeia do Vale, receberam prioridade no cronograma.
Essa desigualdade, destacou Le Blue, foi objeto de artigo científico do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) publicado na revista Landscape and Urban Planning, apontando a má distribuição das áreas verdes em Goiânia.
“Enquanto alguns bairros têm dois bosques, como o Setor Oeste, outros não possuem sequer praças ou árvores suficientes para amenizar o microclima e a drenagem urbana. É disso que tratam conceitos como racismo ambiental: o aquecimento global não é sentido de forma igual por toda a população”, explicou.
O especialista classificou a prática de retirar bens públicos da periferia para reinstalá-los em bairros centrais como uma “síndrome de Robin Hood às avessas”. “É preocupante que a própria gestão faça da injustiça social, ambiental e climática uma política de governo. Se isso não for revisto, será mais uma marca registrada da administração de Sandro Mabel, que já cogita privatizar parques da elite, afastando ainda mais os goianienses periféricos, pretos e pobres de espaços que também são seus por direito”, criticou.
Em nota ao jornal O HOJE, a Amma esclarece que, ao assumir a atual gestão, encontrou diversos equipamentos dos parques públicos fora de funcionamento, incluindo fontes e aeradores, que necessitavam de manutenção e readequação.
Segundo o órgão, o equipamento instalado no Parque da Lagoa foi retirado no dia 22 de abril de 2025 para reparos e, atualmente, encontra-se na garagem operacional da Amma em fase final de manutenção. A agência afirma que, tão logo os trabalhos sejam concluídos, a estrutura será reinstalada no lago do parque.
A agência acrescenta que está em andamento um processo de recuperação de equipamentos em diferentes áreas verdes de Goiânia, com o objetivo de garantir a qualidade ambiental e oferecer opções adequadas de lazer à população.
Nossa reportagem entrou em contato com a Prefeitura, mas até o fechamento desta edição, não obtivemos resposta. O espaço segue aberto para os devidos esclarecimentos.
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