No Brasil, pela primeira vez, um estudo clínico randomizado, ou seja, escolhido aleatoriamente, comprovou que é tangível a redução em pelo menos a metade, os casos de câncer de mama diagnosticados em estágios mais avançados da doença.
A iniciativa é o Projeto Itaberaí, coordenado pelo professor da Universidade Federal de Goiás (UFG) e mastologista Ruffo de Freitas Júnior. “Tem mulheres que, sem o projeto, levariam quase 400 dias para iniciar o tratamento. Com a intervenção, esse tempo caiu para 120 dias”, afirma.
O projeto está sendo desenvolvido no município do interior de Goiás, Itaberaí, com gestão da Fundação de apoio ao hospital das clínicas e apoio da Prefeitura e do Ministério Público de Goiás. O programa faz parte do Centro Avançado de Diagnóstico do Câncer de Mama (Cora), que é vinculado ao Hospital das Clínicas da UFG. “O nosso foco é o tempo anterior ao diagnóstico, que é ainda mais negligenciado”, afirma Ruffo.
Quando observado sobre o cenário do Sistema Único de Saúde (SUS), o pesquisador destacou que os problemas estão além do prazo legal de início do tratamento após diagnóstico. “Isso é inaceitável. O Projeto Itaberaí tenta justamente atuar nesse intervalo invisível”, pontua.
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Para ele, o grande ponto diferencial está na reestruturação do fluxo de assistências e na introdução de ferramentas tecnológicas simples. “Essa reorganização não altera a regulação da rede. Após o diagnóstico, a paciente entra na fila como qualquer outra, ela não fura a fila. O que muda é que chega lá antes”, explica.
O modelo implantado se baseia no exame físico das mamas, realizado de forma contínua por agentes comunitárias de saúde habilitadas por meio de treinamentos. Embora não haja uma substituição para a mamografia,o exame é considerado eficaz, pois é capaz de detectar nódulos já palpáveis, comuns no início da maioria dos casos atendidos pelo SUS. “Estamos falando de tumores que, em geral, a mulher já sente. Sete em cada dez casos no SUS começam assim, com uma queixa palpável”, afirma.
Além de proporcionar a ampliação ao acesso no rastreamento, o projeto investe de forma contínua na qualificação das agentes comunitárias, que passam por treinamentos regulares. “No início, muitas delas não se sentiam habilitadas, tinham medo de errar. Mas, com o tempo, passaram a realizar o exame com confiança e qualidade”, relata Ruffo. O avanço técnico e prático desses profissionais também é reconhecido pelo coordenador do estudo: “Hoje, essas agentes realizam o exame físico com mais competência do que muitos médicos generalistas ou enfermeiros que não lidam com a saúde da mulher diariamente”.
Com um orçamento anual estimado em cerca de R$ 400 mil, o projeto é considerado um modelo economicamente possível para o SUS. “Esse é um modelo replicável e de baixo custo. O custo-benefício é incomparável”, diz Ruffo. Apesar dos resultados positivos, o pesquisador lamenta que a proposta ainda não tenha sido adotada por outros municípios brasileiros. “Nenhuma outra cidade brasileira aceitou, até agora, implementar o projeto”, pontua.
O Projeto Itaberaí é parte de um estado científico que deve ser conduzido a longo prazo, que exige acompanhamento prolongado das pacientes. “Esse é um estudo de 16 anos, e estamos no terceiro ano de projeto. Precisamos de maturidade dos dados”, afirma Ruffo. Ainda assim, apenas com os dados iniciais já apontam impacto relevante. “Temos certeza de que essa é uma estratégia promissora, eficaz, e que pode mudar o paradigma do rastreamento do câncer de mama no Brasil”, declara.
A expectativa dos pesquisadores é de que a experiência goiana sirva como base concreta para políticas públicas de rastreamento precoce em todo o Estado e mais tarde em todo o País, principalmente nas regiões com menos acesso à mamografia. “A pergunta agora não é se o projeto funciona, mas por que ainda não o estamos replicando em todo o Brasil. Quantas vidas mais precisaremos perder para adotar o que já sabemos que dá certo?”, conclui o pesquisador.
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