O chocolate continua presença garantida na despensa dos brasileiros, mas a cadeia produtiva enfrenta tensões que vão do campo às prateleiras. Em 2024, a produção nacional de chocolate encerrou o ano em torno de 806 mil toneladas, número que revela a resiliência da indústria mesmo diante das pressões sobre custos e matéria-prima.
Alta global do cacau eleva custos e muda estratégias
A principal pressão vem da oferta global de amêndoas de cacau e da disparada nos preços internacionais. Relatórios de mercado apontaram picos de cotação na janela 2024–2025, com valores recordes na primeira metade de 2025. O avanço forçou fabricantes a reverem formulações, embalagens e estratégias de precificação, em busca de equilíbrio entre custo e demanda. O impacto se espalhou por toda a cadeia — de torradores e refinarias até as grandes indústrias.
No Brasil, a matéria-prima segue escassa. Dados da Associação Nacional das Indústrias Processadoras de Cacau (AIPC) indicam queda na entrada de amêndoas em 2024, reflexo de uma oferta doméstica limitada. O déficit entre a produção nacional e a demanda industrial obrigou o país a importar volumes crescentes de cacau, elevando custos e pressionando margens.
Moagem em baixa e consumo ainda aquecido
A moagem doméstica registrou retração no primeiro semestre de 2025, com queda expressiva em relação ao ano anterior. Especialistas interpretam o movimento como reflexo da escassez de amêndoas e das decisões industriais de reduzir tamanhos e portfólios para conter perdas. Mesmo assim, o consumo interno se mantém estável, sustentado pela diversificação da oferta e pela tradição do produto na mesa do consumidor.
A indústria brasileira tem buscado eficiência produtiva e reposicionamento estratégico. O mix de produtos passou a privilegiar chocolates premium, bean-to-bar e regionais, enquanto as empresas adotam reformulações que preservem qualidade e ampliem opções em diferentes faixas de preço. A meta é manter o consumo e fidelizar o público em meio a oscilações externas.
Goiás e o avanço dos pequenos produtores de chocolate
Nos estados onde o cacau não é cultivado em larga escala, como Goiás, a resposta ao cenário global tem sido o fortalecimento de nichos locais. Empreendedoras goianas relatam mudanças de estratégia para manter margens e competitividade. Em Goiânia, uma produtora artesanal destaca que optou por usar matéria-prima de alto padrão e personalização como diferenciais. Com apoio técnico de instituições de fomento, microempresas locais têm ajustado preços, ampliado canais de venda e investido em produtos sob encomenda.
A experiência goiana mostra como o mercado artesanal brasileiro se adapta à escassez de insumos, apostando em inovação, diferenciação e identidade regional. Chocolates personalizados e voltados a presentes corporativos passaram a ocupar espaço relevante na economia criativa, sobretudo em períodos sazonais como Páscoa e Natal.
Moagem recua e importações de chocolate aumentam em 2025. Foto: Divulgação
Produção concentrada e dependência externa
No campo, a geografia da produção nacional segue concentrada na Bahia, no Pará e no Espírito Santo, com oferta insuficiente para abastecer a indústria local. A dependência de amêndoas importadas expõe a cadeia brasileira às oscilações climáticas e produtivas da África Ocidental, região que responde por mais de 60% da produção mundial. Quebras de safra em países como Costa do Marfim e Gana explicam o aperto de 2024 e o início de 2025, com reflexos diretos nos custos internos e nos estoques globais.
Embora o Brasil exporte derivados como manteiga, pó e massa de cacau, as receitas dessas operações não compensam integralmente a necessidade de importação. A volatilidade internacional, somada à limitação da oferta interna, torna a cadeia vulnerável e aumenta o desafio de planejar estoques e preços.
O desafio de equilibrar oferta, custo e consumo
Na ponta do consumo, o efeito prático combina aumento de preços médios, redução de gramaturas e fortalecimento de estratégias de valor agregado. Produtos com selo de origem, rastreabilidade e sustentabilidade ganham destaque como diferenciais competitivos. Já no ambiente B2B, fabricantes negociam contratos de longo prazo e ampliam estoques estratégicos para amortecer flutuações.
O setor avalia que a retomada plena da moagem e da rentabilidade depende da estabilização da oferta global e de políticas de incentivo à produção local. A expansão das lavouras de cacau e a modernização tecnológica no campo são vistas como etapas essenciais para garantir o abastecimento e reduzir vulnerabilidades externas.
Em resumo, o mercado de chocolate no Brasil mantém vigor no consumo, mas enfrenta uma agenda urgente de gestão de custos, diversificação de suprimentos e estímulo à produção nacional. Em Goiás e em outras regiões fora do eixo cacaueiro, a inovação artesanal mostra que o setor pode resistir e prosperar mesmo em um ambiente de incertezas — reafirmando o chocolate como um negócio que continua doce, ainda que mais desafiador.








