O número de crianças com sobrepeso ou obesidade cresce de forma acelerada no Brasil e acende um alerta entre especialistas e gestores de saúde pública. Dados do Ministério da Saúde indicam que cerca de 33,9% das crianças entre 5 e 9 anos estão acima do peso ideal. Isso significa que, a cada 10 crianças, pelo menos três já apresentam um acúmulo de gordura corporal com potencial de causar sérias consequências à saúde.
A tendência segue os dados globais. A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que até 2025 cerca de 75 milhões de crianças em todo o mundo podem viver com obesidade. No Brasil, o cenário é ainda mais preocupante: até 2035, o País pode atingir a marca de 50% das crianças e adolescentes entre 5 e 19 anos com excesso de peso, segundo o Atlas Mundial da Obesidade 2024.
O aumento do sedentarismo e os erros alimentares são, segundo especialistas, os dois principais fatores por trás desse crescimento. “As crianças estão muito expostas às telas, o que reduz drasticamente o tempo dedicado à atividade física”, explica a endocrinologista pediátrica Luiza Rabelo. “Além disso, há um aumento preocupante no consumo de alimentos industrializados, embutidos e ultraprocessados.”
Ela também destaca mudanças importantes no ambiente urbano. “A insegurança nas cidades, a falta de espaços públicos seguros e a rotina intensa das famílias tornam mais difícil a prática de atividades ao ar livre. As crianças já não brincam mais nas ruas como antigamente”, observa.
Mudança de estilo de vida
A médica explica que a obesidade não é apenas um problema estético. Trata-se de uma doença crônica com forte impacto na saúde geral. “A obesidade infantil está relacionada ao risco aumentado de desenvolver hipertensão, diabetes tipo 2, doenças cardiovasculares e alterações no fígado”, destaca Luiza.
A atividade física regular também é indispensável. O ideal, segundo as diretrizes da OMS, é que crianças e adolescentes realizem pelo menos 60 minutos de atividades por dia. Não é necessário se matricular em academias ou esportes competitivos – andar, correr, brincar, dançar e pedalar já são excelentes opções.
Outro ponto importante é o tempo de tela. “Crianças que passam mais de duas horas por dia em frente a uma tela estão mais propensas ao sedentarismo e à alimentação impulsiva”, destaca Luiza. Ela recomenda limitar o tempo de exposição e, principalmente, evitar o uso de dispositivos eletrônicos durante as refeições.
Casos graves já recorrem a remédios e até cirurgia bariátrica
Embora a base do tratamento seja comportamental, em alguns casos é preciso recorrer a medicamentos. Quando a mudança de hábitos não traz resultados após três meses, é considerado o uso de medicações, desde que com critérios bem definidos. Essas drogas não substituem hábitos saudáveis e só devem ser utilizadas por indicação médica.
Em situações mais graves, especialmente na adolescência, pode-se indicar a cirurgia bariátrica. Em 2025, o Conselho Federal de Medicina reduziu de 16 para 14 anos a idade mínima para realizar o procedimento, desde que o paciente apresente obesidade grave (IMC acima de 40) e outras doenças associadas, como diabetes e apneia do sono.
A médica lembra que, mesmo com opções médicas mais avançadas, o caminho mais eficaz ainda está na prevenção. “É preciso tratar a obesidade como o que ela é: uma doença crônica e multifatorial, que precisa de uma abordagem contínua e cuidadosa, como se faz com qualquer outro problema de saúde”, afirma.
Os dados mais recentes do Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional (Sisvan) confirmam a gravidade do cenário. Em 2021, 15,8% das crianças menores de 5 anos e 33,9% das de 5 a 9 anos apresentavam excesso de peso. A região Sul do País lidera a prevalência, seguida por Sudeste, Nordeste, Centro-Oeste e Norte.
Segundo a Dra. Luiza Rabelo, muitos pais e cuidadores ainda não reconhecem o excesso de peso como problema. “Muitas famílias enxergam a criança gordinha como saudável. Com isso, deixam de buscar ajuda na fase em que a reversão do quadro seria mais simples”, lamenta.
Ela ainda destaca o papel da genética, mas faz uma ressalva importante: “Há sim predisposição genética, mas ela sozinha não justifica os altos índices. O ambiente alimentar e o estilo de vida têm papel decisivo”.
Outro fator muitas vezes ignorado é a qualidade do sono. Dormir tarde, segundo estudos, aumenta a produção de hormônios ligados à fome e reduz os níveis de saciedade. “Rotinas desorganizadas, com poucas horas de sono, impactam diretamente o peso”, ressalta.
Desafios e caminhos para o futuro
O Atlas Mundial da Obesidade prevê que o número de crianças com sobrepeso e obesidade continuará crescendo até 2035. De acordo com o relatório, mais de 20 milhões de crianças e adolescentes brasileiros serão afetados dentro de uma década. Isso representa um desafio urgente para o sistema de saúde pública.
Segundo Louise Cominato, endocrinologista e coordenadora do Departamento de Obesidade Infantil da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e Síndrome Metabólica (Abeso), o Brasil precisa de políticas públicas mais firmes, desde a regulação da publicidade de alimentos não saudáveis até investimentos em infraestrutura para atividade física nas escolas e comunidades. “Não adianta responsabilizar só as famílias. É preciso criar um ambiente que facilite a escolha saudável”, afirma.
O enfrentamento à obesidade infantil exige ação coletiva. Famílias, escolas, profissionais de saúde e governos precisam atuar juntos para mudar esse cenário. A médica Luiza Rabelo reforça: “É fundamental que os pais participem do processo, sejam exemplo e criem um ambiente saudável em casa. A criança aprende com o que vê, não apenas com o que ouve.”
Os pais podem adotar diversas atitudes no dia a dia para prevenir e combater a obesidade infantil. É importante evitar o consumo de alimentos industrializados e embutidos, além de reduzir o açúcar e os ultraprocessados na alimentação das crianças. Promover refeições em família, longe das telas, fortalece vínculos e estimula hábitos saudáveis.
Também é essencial estabelecer horários fixos para comer e dormir, garantindo uma rotina equilibrada. Incentivar brincadeiras ao ar livre e a prática de atividades físicas contribui para o gasto de energia e o desenvolvimento saudável. O tempo de exposição a telas deve ser controlado, com um limite de, no máximo, duas horas por dia. Por fim, ao perceber sinais de excesso de peso, os pais devem buscar ajuda médica o quanto antes, garantindo acompanhamento e orientação adequados.
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