O Ministério dos Transportes divulgou a proposta que mudará o modelo de formação de condutores no Brasil. O texto, que está em consulta pública até o dia 2 de novembro, cria a figura dos instrutores autônomos de trânsito, profissional que poderá oferecer aulas práticas de direção sem estar vinculado a uma autoescola.
Para exercer a função, o candidato deverá atender a uma série de exigências: ter no mínimo 21 anos, possuir Carteira Nacional de Habilitação (CNH) válida há dois anos ou mais, não ter cometido infração gravíssima nos últimos 60 dias, ter ensino médio completo e concluir um curso específico de formação pedagógica. Esse curso incluirá módulos sobre legislação, segurança no trânsito e condução responsável, além de uma avaliação final.
Os aprovados receberão certificado de conclusão e precisarão de autorização do Detran para atuar. O nome de cada instrutor será registrado no Ministério dos Transportes, que manterá uma lista pública de profissionais habilitados. A carteira profissional será gratuita e emitida pelo site da Secretaria Nacional de Trânsito (Senatran).
Durante as aulas, o instrutor deverá portar a CNH, credencial de instrutor, licença de aprendizagem veicular e certificado de licenciamento do veículo, que deverá estar em conformidade com o Código de Trânsito Brasileiro (CTB).
Os veículos utilizados nas aulas poderão ser do instrutor ou do aluno, desde que cumpram as normas de segurança e estejam dentro do limite de idade permitido — oito anos para motos, doze para carros e vinte para caminhões. Será obrigatória uma identificação visível informando que se trata de um veículo de ensino.
As aulas deverão ser comunicadas ao Detran da região, que fará a fiscalização. O instrutor poderá atuar de maneira independente ou continuar prestando serviços para autoescolas, desde que cumpra todas as exigências legais.
Segundo o governo federal, o objetivo é modernizar e baratear o processo de habilitação, tornando-o mais acessível. Atualmente, o custo médio para tirar a CNH chega a R$ 3.200, e a expectativa é de que esse valor possa cair até 80%.
Os exames teórico e prático continuarão obrigatórios. A principal mudança está na liberdade do candidato para escolher quem o ensinará. Para o Ministério dos Transportes, essa flexibilidade deve beneficiar especialmente pessoas das categorias A (motocicleta) e B (carro de passeio).
Apesar da proposta de desburocratização, o instrutor de autoescola Pedro Rogério, que atua em Goianira, afirma que a mudança gera incertezas. “A gente vive de alunos. Se não tiver procura, fica complicado. Hoje já não temos vínculo CLT, recebemos por aula. Então há um receio sobre como será essa demanda fora das autoescolas”, relatou.
Ele reconhece que a medida pode baratear o custo da CNH para quem já tem experiência ao volante, mas alerta que quem nunca dirigiu pode acabar pagando mais caro. “Eu, por exemplo, não cobraria menos de R$ 100 por aula. Pode ter quem cobre menos, mas isso pode gerar concorrência desleal e perda de qualidade. O preço menor pode vir junto com um ensino mais fraco, e isso é preocupante”, avaliou.
Para Rogério, o ideal seria o governo garantir controle sobre a qualidade da formação. “Dá para flexibilizar a quantidade de aulas para quem já dirige, mas não dá para abrir mão da obrigatoriedade para quem está começando”, acrescentou.
Proposta divide a opiniões do instrutores e pode redefinir formação de motoristas no Brasil
A proposta de liberar instrutores autônomos segue uma tendência já observada em outros países. Nos Estados Unidos, Canadá e Argentina, o curso em autoescola é opcional: o candidato pode aprender com instrutores independentes e fazer o exame prático em seu próprio veículo. Já na Alemanha e Portugal, o processo é mais rígido e mantém a obrigatoriedade das aulas presenciais.
Segundo o governo brasileiro, o modelo híbrido, com liberdade de escolha entre autoescola e instrutor autônomo, poderá reduzir custos e ampliar o acesso à habilitação, especialmente em regiões com pouca oferta de centros de formação.
Contudo, a medida também preocupa representantes do setor. A Federação Nacional das Autoescolas (Feneauto) calcula que, caso o modelo seja aprovado, pode haver demissões em massa e perda de receita para o setor. De acordo com o representante Jean Rafael Sanches, “seriam cerca de 15 mil autoescolas impactadas e um custo de R$ 2,24 bilhões em seguro-desemprego”.
Na avaliação do especialista em mobilidade urbana Marcos Rothen, a proposta é positiva, desde que acompanhada de melhorias na prova de habilitação e de mecanismos de controle da qualidade do ensino. “A medida aumentará a oferta de serviço e poderá trazer uma redução de custos. Além disso, tende a aprimorar o desempenho dos instrutores, porque as pessoas vão procurar quem realmente ensina bem, buscando aprovação e aprendizado”, destacou.
Rothen ressalta que a prova prática continuará sendo o principal filtro para garantir que o candidato esteja apto a dirigir. “É preciso aprimorar o exame, que hoje é pouco rigoroso e não avalia de forma completa se o motorista está realmente preparado para as ruas”, afirmou.
Para ele, o modelo atual transformou as autoescolas em uma espécie de reserva de mercado, o que restringe a concorrência e mantém os custos elevados. “Com mais liberdade e fiscalização eficiente, a tendência é que o mercado se ajuste e os profissionais se aprimorem. A concorrência saudável leva à melhoria dos serviços, e quem ganha é a população”, concluiu.
A consulta pública sobre as novas regras segue aberta até o dia 2 de novembro. Após esse prazo, o Ministério dos Transportes deve consolidar as contribuições e definir o formato final da política. Até lá, instrutores, autoescolas e motoristas acompanham de perto o futuro da formação de condutores no País, um tema que promete reconfigurar o trânsito brasileiro nos próximos anos.
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