A instalação de grama sintética em canteiros de Goiânia abriu uma nova frente de debate sobre urbanismo e sustentabilidade na Capital. A Companhia de Urbanização de Goiânia (Comurg) concluiu recentemente a colocação de cerca de 500 metros do material no canteiro central da Avenida Castelo Branco, no trecho entre as praças Ciro Lisita e Walter Santos, no Setor Coimbra local onde, em março, houve o corte para a abertura de uma terceira faixa de rolamento. Em paralelo, equipes da companhia também atuam na Rua 44, no Setor Norte Ferroviário, com a mesma intervenção.
A mudança não agradou parte da população. Em comentário publicado na página do jornalista Oloares Ferreira, o morador Pedro Silva Borges classificou a medida como “crime ambiental”. Segundo ele, a substituição da vegetação natural compromete funções essenciais do solo urbano.
“Não se trata de ‘mimimi’ ambientalista. Vivemos uma época em que se discute, com razão e propriedade, a importância da permeabilidade do solo para absorção das águas pluviais. E, de repente, nos deparamos com uma situação dessas. Além da impermeabilização, é inegável que esse material prejudica também o aspecto estético: nada substitui a beleza da vegetação natural. O resultado é poluição visual somada a outros efeitos, como o aumento da temperatura, pela falta de respiro do solo, pelo reflexo dos raios solares e pela própria composição do material, que é sintético”, criticou.
A preocupação do morador é compartilhada por especialistas. O conselheiro do Conselho de Arquitetura e Urbanismo de Goiás (CAU/GO), David Finotti, alerta que a grama sintética, apesar de apresentar certa porosidade, não cumpre o papel de absorção e infiltração de água desempenhado pelo solo natural com vegetação.
“Sua instalação geralmente envolve uma base compactada e impermeabilizante, o que dificulta o escoamento da água para o lençol freático. Isso pode aumentar o volume e a velocidade do escoamento superficial, contribuindo para enxurradas, alagamentos e sobrecarga nos sistemas de drenagem urbana”, explica Finotti.
Ele também aponta que, por ser composta de materiais plásticos, a grama sintética retém mais calor do que a vegetação viva, contribuindo para a formação de ilhas de calor urbanas. Além disso, seu aspecto artificial empobrece a paisagem, impede o desenvolvimento de espécies nativas e polinizadores, e ao longo do tempo libera microplásticos, que podem agravar a poluição de corpos d’água.
“Apesar da aparência ‘verde’, trata-se de uma solução artificial, que substitui processos ecológicos e paisagísticos fundamentais. Isso vai na contramão da legislação urbanística que exige áreas permeáveis em loteamentos e empreendimentos privados”, acrescenta o conselheiro do CAU/GO.
Diante da repercussão, a Comurg divulgou nota oficial esclarecendo que a medida se trata de um projeto-piloto. Segundo a companhia, a iniciativa busca testar alternativas em locais onde a grama natural não resiste, sobretudo durante a seca, quando a vegetação morre rapidamente.
“A instalação de grama sintética nas Avenidas Castelo Branco e 44 é um projeto-piloto para melhorar o visual das vias e avaliar alternativas onde a grama natural não se mantém. O material, adquirido em contratações de gestões anteriores, foi encontrado estocado no início desta administração. Agora, com a destinação correta de retalhos que sobraram depois de aplicações em quadras poliesportivas, se evita o desperdício. A grama sintética é resistente ao sol e ao pisoteio e de baixa manutenção”, informou a companhia em nota.
A polêmica expõe uma questão recorrente em grandes cidades: conciliar estética, manutenção urbana e sustentabilidade ambiental. Enquanto a Comurg defende o projeto como forma de aproveitar recursos já disponíveis e reduzir custos, moradores e especialistas questionam os impactos da substituição da vegetação natural por superfícies artificiais no clima, na drenagem e na biodiversidade urbana.
O resultado do projeto-piloto poderá definir se Goiânia amplia ou abandona a ideia. Até lá, a Avenida Castelo Branco permanece como um laboratório a céu aberto para a disputa entre o verde sintético e o natural.
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