Os números chamam atenção e escancaram um problema silencioso que afeta a infância e adolescência em Goiás. Entre 2024 e 2025, 1.469 bebês nasceram de meninas com idade entre 12 e 15 anos no Estado, conforme dados preliminares da Secretaria de Estado da Saúde de Goiás (SES/GO). Em 2024, foram 945 nascidos vivos, e em 2025, outros 524, até o momento.
O recorte revela ainda mais gravidade quando se observa que 16 partos foram de meninas de apenas 12 anos, idade em que qualquer relação sexual é considerada estupro de vulnerável, de acordo com a legislação brasileira. Além disso, 100 partos ocorreram com meninas de 13 anos, 354 com 14 anos e 999 com 15 anos.
Os números de Goiás refletem um cenário nacional igualmente alarmante. Um estudo conduzido por pesquisadores do Centro Internacional de Equidade em Saúde da Universidade Federal de Pelotas (ICEH/UFPel) apontou que, entre 2020 e 2022, mais de 1 milhão de adolescentes entre 15 e 19 anos tiveram filhos no Brasil. Entre meninas de 10 a 14 anos, o total superou 49 mil gestações no período.
A pesquisa revela que uma em cada 23 adolescentes brasileiras de 15 a 19 anos torna-se mãe a cada ano, com taxa média de fecundidade de 43,6 nascimentos por mil adolescentes. O índice é quase o dobro do esperado para países de renda média alta, como o Brasil, e superior ao de parceiros do Brics como China, Índia e Rússia.
A ginecologista e obstetra Ramylla Magalhães explica que a maternidade nessa fase representa riscos extremos à saúde da adolescente e do bebê. “Adolescentes muito jovens têm maior propensão a desenvolver pré-eclâmpsia grave, que pode evoluir para eclâmpsia e síndrome HELLP, com risco de morte materna e fetal”, afirma. Ela ainda explica que o parto prematuro também é comum, devido à imaturidade física do corpo para sustentar uma gestação até o fim.
Ela acrescenta que há ainda maior chance de restrição de crescimento fetal, necessidade de cesáreas de urgência e, sobretudo, consequências psicológicas devastadoras, muitas vezes negligenciadas.
Além dos riscos citados acima, há impactos emocionais, educacionais e sociais. “Grande parte dessas meninas abandona a escola e tem poucas chances de retomar os estudos ou ingressar no mercado de trabalho com dignidade. O ciclo da pobreza se perpetua”, observa a pedagoga Josenilda Silva.
O epidemiologista Aluísio Barros, líder do estudo, alerta para a desigualdade oculta por trás da média nacional: 69% dos municípios brasileiros têm indicadores piores que o esperado para a renda do País, e 22% apresentam taxas semelhantes às de países de baixa renda. No Norte, por exemplo, a taxa de fecundidade chega a 77,1 por mil adolescentes; no Centro-Oeste, onde está Goiás, o índice é de 32,7 por mil.
Além do fator regional, o estudo aponta que a privação socioeconômica é o principal motor da gravidez precoce. Municípios com menor renda, altos índices de analfabetismo e pouca infraestrutura concentram os maiores índices de fecundidade. “A maternidade na adolescência é, fundamentalmente, um desfecho de um contexto de exclusão e falta de oportunidades”, afirma Barros.
Outro fator decisivo para o problema é a desigualdade no acesso aos serviços ginecológicos e contraceptivos. A falta de diálogo familiar, o desconhecimento sobre métodos contraceptivos e a dificuldade de acesso a LARCs (métodos de longa duração como implantes e DIUs) fazem com que muitas adolescentes fiquem vulneráveis à gravidez precoce, segundo Ramylla.
Apesar de o Sistema Único de Saúde (SUS) ofertar gratuitamente métodos contraceptivos e programas de educação sexual, o desafio está em levar essa informação com qualidade, acolhimento e acesso real às populações mais vulneráveis. A superintendente da organização Umane, Thais Junqueira, ressalta que é preciso maior engajamento de toda a sociedade.
A pesquisa do ICEH/UFPel foi lançada junto com a nova plataforma do Observatório de Equidade em Saúde, com o objetivo de monitorar as desigualdades e fornecer dados para orientar políticas públicas. Para os pesquisadores, o Brasil precisa urgentemente olhar com seriedade para essas meninas e garantir um futuro com proteção, informação e oportunidade — não com berçários e exclusão.
Gestação precoce é reflexo da exclusão social e exige ações urgentes
O levantamento em Goiás, revela um desafio que vai além da saúde: trata-se de uma questão social, legal e educacional. O dado, que inclui gestações de adolescentes, reforça a necessidade de ampliar a rede de proteção à infância e combater a gravidez precoce de forma estrutural.
No Brasil, os números seguem o mesmo padrão de desigualdade: o estudo revelou que adolescentes pobres, negras e moradoras de regiões com baixa infraestrutura estão mais propensas a engravidar cedo.
A gravidez precoce tem consequências profundas: além de interromper trajetórias escolares, perpetua o ciclo de pobreza e impacta a saúde física e mental das meninas. “A gravidez na adolescência não é uma escolha, mas o desfecho de um contexto de privação e falta de oportunidades”, resume o epidemiologista.
Para mudar esse cenário, é urgente investir em educação sexual nas escolas, garantir acesso seguro a métodos contraceptivos, promover acolhimento psicossocial e fortalecer a atuação de conselhos tutelares e serviços de proteção à mulher e à criança.
Sem políticas públicas integradas e contínuas, o ciclo se repete: meninas que viram mães cedo têm menos chances de estudar, trabalhar e construir um futuro digno — e seus filhos crescem nas mesmas condições de exclusão que um dia vitimaram suas mães.
O post Goiás registra mais de 1 mil gravidezes na adolescência em 2 anos e segue padrão alarmante no Brasil apareceu primeiro em O Hoje.