Bárbara Valim da Silva, de 28 anos, tornou-se mais uma das vítimas dos feminicídios em Goiás. Morta a tiros pelo ex-companheiro dentro de um condomínio residencial em Goiânia, a jovem tinha uma medida protetiva em vigor contra o agressor, segundo o Tribunal de Justiça do Estado (TJ-GO). Bárbara deixa dois filhos, um deles fruto do relacionamento com o suspeito.
O crime ocorreu no último sábado (18). O acusado, Luiz Gustavo Rodrigues Rocha, foi preso em flagrante no domingo (19) e teve a prisão convertida em preventiva pelo juiz Joviano Carneiro Neto. Na decisão, o magistrado destacou que, mesmo com a medida protetiva em vigor, o homem “não hesitou em cometer o feminicídio, demonstrando desprezo pelas normas de proteção à vida”.
Em vídeo divulgado pela polícia, Luiz Gustavo confessou o crime, afirmando que tentou conversar com Bárbara, que se recusou, e que, impulsivamente, atirou. A Polícia Civil investiga as circunstâncias e motivações do assassinato, enquanto familiares e amigos lamentam mais uma perda irreparável — de uma mulher que já havia buscado ajuda e proteção.
Outro caso recente reforça a gravidade da situação: Tânia Lopes dos Santos Junqueira, de 29 anos, foi assassinada em 5 de setembro em Santa Terezinha de Goiás. Dona de uma floricultura e mãe de dois filhos, Tânia foi morta a tiros pelo ex-companheiro, que também tentou atingir o irmão da vítima. Casos como esses evidenciam que, mesmo com leis de proteção, muitas mulheres continuam vulneráveis à violência letal.
Cenário alarmante em números de feminicídios e falhas nas medidas protetivas
Os dados mais recentes do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) mostram que Goiás enfrenta um cenário preocupante. Até 31 de agosto de 2025, o Brasil registrou 1.336.495 ocorrências de violência doméstica, sendo 43.959 em Goiás. O Tribunal de Justiça estadual concedeu 17.722 medidas protetivas, das quais 6.533 foram revogadas e 6.278 prorrogadas. O Estado ocupa o quinto lugar no país em número de medidas em andamento, atrás apenas de São Paulo, Paraná, Rio Grande do Sul e Minas Gerais.
Mesmo assim, até outubro, Goiás contabilizou 38 feminicídios e cerca de 450 novos casos de tentativa ou ameaça de morte de mulheres. Mais de 32 mil pedidos de proteção foram feitos, e apenas metade foi atendida.
O panorama nacional é igualmente alarmante. O Mapa Nacional da Violência de Gênero, elaborado pelo Observatório da Mulher Contra a Violência, do Senado, indica que, no primeiro semestre de 2025, 718 mulheres foram vítimas de feminicídio no país. Foram ainda 33.999 casos de estupro contra mulheres — uma média de 187 por dia.
Segundo o Instituto Fogo Cruzado, em 57 municípios brasileiros, pelo menos 29 mulheres foram vítimas de feminicídio ou tentativa com arma de fogo até a primeira quinzena de agosto. Destas, 22 morreram.
“Não basta ter leis, é preciso garantir sua efetividade”, alerta especialista
Foto: Joédson Alves/ABr
O advogado criminalista e professor de Direito Penal Amaury Andrade analisa que o feminicídio continua sendo uma das expressões mais graves da violência de gênero no Brasil. “Mesmo após quase duas décadas da Lei Maria da Penha e mais de oito anos da Lei do Feminicídio, o país ainda figura entre os que mais matam mulheres no mundo”, afirma.
Segundo ele, o problema não está na ausência de leis, mas na falta de integração e fiscalização. “Temos um dos arcabouços legais mais avançados, mas o número de mortes ainda é alarmante. O que falta é garantir a efetividade das medidas. Muitas mulheres denunciam e voltam para casa sem amparo, expostas ao agressor”, alerta o advogado.
Amaury defende que o sistema judicial precisa agir com urgência. “A morosidade é um dos grandes inimigos da efetividade. Violência doméstica deve ser tratada como emergência, não como processo comum. Precisamos de canais digitais e plantões permanentes para decisões rápidas, monitoramento das medidas e resposta preventiva diante de ameaças.”
O especialista também ressaltou a importância do monitoramento eletrônico como forma de garantir a distância entre a vítima e o agressor. Ele observou que a tornozeleira eletrônica conectada a sistemas de alerta é uma das medidas mais eficazes, desde que exista resposta imediata da polícia, pois o recurso perde sua função se não houver patrulha disponível para agir diante de um alerta.
Outro ponto abordado foi a necessidade de programas de reeducação para agressores, inspirados em modelos internacionais, como os adotados na Espanha e no Canadá, onde centros de reabilitação com acompanhamento psicológico contribuíram para reduzir a reincidência. O advogado enfatizou que o agressor precisa compreender as consequências de seus atos e perceber que o Estado mantém vigilância constante sobre essas condutas.
Desafios e caminhos para uma rede de proteção eficiente
Goiás tem adotado políticas sociais e medidas legais para enfrentar o problema. O Programa Goiás Por Elas, criado pelo governo estadual, oferece apoio financeiro emergencial a mulheres em situação de vulnerabilidade. Em 2023, 158 mulheres receberam os primeiros cartões do programa, vinculado ao Goiás Social. A prioridade para vítimas de violência também foi estendida a outros programas assistenciais.
O Estado também promove capacitação de profissionais com foco na Lei Maria da Penha e criou, em 2024, a Política Estadual de Combate à Violência Doméstica e Familiar (Lei nº 22.584/2024), que prevê centros de reabilitação para agressores, encaminhamento integrado entre instituições e formação de equipes multidisciplinares.
Mesmo assim, especialistas apontam que os avanços ainda são tímidos. “As medidas protetivas são tratadas como atos formais, e não como intervenções de emergência. A mulher recebe o papel, mas muitas vezes volta para casa sem abrigo, sem acompanhamento e sem vigilância. O papel vira escudo simbólico, e não real”, adverte o advogado.
O especialista reforça que o enfrentamento à violência de gênero deve ser visto como questão de segurança pública e direitos humanos. “A violência doméstica não é problema individual. É social. Enquanto o Estado não agir de forma articulada e preventiva — e a sociedade não romper com o machismo estrutural —, continuaremos colecionando estatísticas em vez de salvar vidas.”
As campanhas de conscientização, como o Agosto Lilás, e o fortalecimento de canais como o Ligue 180, Delegacias da Mulher e o Batalhão Maria da Penha, mostram que há mobilização crescente. Em 2024, os atendimentos em Goiás aumentaram 34%, demonstrando maior confiança nas redes de apoio.
Contudo, os casos de Bárbara Valim e Tânia Junqueira continuam a ecoar como alertas de que as medidas ainda não bastam. Eles lembram que, enquanto a proteção das mulheres for tratada como burocracia e não como urgência, a violência seguirá encontrando brechas para se repetir.
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