Quem olhou as manifestações de ontem deve ter achado que bebeu demais na noite de sábado: as eleições mudaram de dia, mês e ano? Vai ter alguma votação extemporânea? Só depois de olhar os bandeirões e as cartolinas com frases compreendeu o que se passava – ou não entendeu foi nada de vez. Alto lá!, no 7 de Setembro não é a oportunidade de se comemorar a Independência do Brasil? Era. Há algum tempo, a esquerda rebatizou suas manifestações de “Grito dos excluídos” e as da direita clamaram por anistia aos condenados do 8 de Janeiro. Quer dizer, então, que Dom Pedro I foi de Santos a São Paulo em motociata do MST embarcado em charrete com as cores dos Estados Unidos para chegar às margens plácidas do Ipiranga e perguntar “Quem vai matar Odete Roitman na refilmagem de “Vale Tudo”? Spoiler do que não presta é o novo entendimento da classe política brasileira.
Após a volta de eleições diretas para presidente da Repúblicas, só deu esquerda no Palácio do Planalto, a sede do Poder Executivo, à exceção de Fernando Collor, que durou pouco, e de Jair Bolsonaro, que até agora ficou apenas durante um mandato. Nos verdadeiros comícios deste domingo, o que se viu e ouviu foi a defesa ou o contra-ataque dessa narrativa dos petistas e seus aliados. Para a turma ligada ao ex-presidente Jair Bolsonaro, ele é a pessoa mais importante do mundo, supera até seu parça Donald Trump. Para os esquerdistas, o único acontecimento considerável no planeta é a reeleição de Lula. Em meio a essa campanha eleitoral antecipada estão as vítimas do umbigo das autoridades – ou da cobertura de suas cabeleiras.
Maga e Brasil soberano são pantomimas
Depois de constranger seu time em reunião ministerial a usar boné, no que seria uma contrapartida ao “Maga” do bolsonaro-trumpismo, Lula dobrou a aposta para mostrar que tem algo na cabeça. Está levando ao paroxismo o slogan “Brasil soberano” como se soberania existisse a partir de uma tirada publicitária, não da produção industrial do país, da verticalização de suas commodities, dos prêmios Nobel distribuídos a seus laboratórios e universidades, das medalhas Fields recebidas por seus matemáticos. A cobrança para que o Brasil alcance esses postos mínimos não estava nos cartazes nem nas bandeiras do 7 de Setembro. Aguarda-se que nestes dias úteis algum Ministério Público reaja e investigue o slogan e boné, senão vai dar impunidade na cabeça.
Nos palanques, seja o da Praça dos Três Poderes, em Brasília, com Lula e seus ministros, menos os do Supremo Tribunal Federal, ou os dos bolsonaristas de Norte a Sul do continente, nenhuma frase sobre o déficit primário do setor público. Para usar o exemplo fechado mais recente, de julho passado, o rombo foi o número da besta, conforme está na Bíblia Sagrada: R$ 66,6 bilhões. É até difícil imaginar o tamanho dessa cratera a ser preenchida com o suor de quem trabalha. Para efeito de comparação, o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação perdeu quase R$ 3 bilhões com a desvinculação de recursos da União (DRU) e ficou com R$ 13 bilhões e 700 milhões para 2025. Você leu corretamente: o buraco feito em um mês é cinco vezes maior que o orçamento anual da única pasta que investe no futuro – aliás, que deveria investir, pois os recursos do MCTI são iguais aos da Defesa, usados quase inteiramente em salários, diárias, alimentos da tropa… e quase nada para ciência, tecnologia e inovação.
Não houve mar vermelho – no máximo, um córrego como o ipiranga
Em nenhum cartaz do 7/9 estava o clamor por verbas para inteligência artificial no ensino, do básico às pós-graduações. A esquerda domina a narrativa sobre os assuntos ligados a Educação, sindicatos, política interna das universidades e outras políticas públicas transformadas em quinquilharias. Porém, nenhuma onda em favor do tema se ergueu no mar vermelho dos petistas – que não chegaram a reunir exatamente um mar, no máximo um riozinho, um córrego, um rego d’água, um Ipiranga. A real é que vivem noutro mundo, o mundo dos cargos, das promoções, dos editais, do ar refrigerado, das passagens aéreas para todo lugar.
Bandeirões nada tinham do desfalque no CNPq
O defeito dos bolsonaristas, que desde 2018 se tornaram a voz majoritária da direita, é não criticar Lula como governante. Todos os males estariam concentrados nas relações do presidente da República com o Supremo Tribunal Federal. Nada que o ministro Alexandre de Moraes e seus colegas fizerem, e eles fazem mesmo que atropele a Constituição Federal, pode ser mais monstruoso do que tirar dinheiro do CNPq, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, que acaba de perder R$ 76 milhões de seus já microcaraminguás, reduzidos para R$ 1 bilhão e 871 milhões. Seria de doer na consciência, se esse pessoal tivesse alguma, até porque o protesto estaria nos bandeirões do 7 de Setembro.
Ao tirar quase R$ 3 bilhões do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, a DRU deveria estar no índex das entidades da área. Não estão porque elas são dominadas pela esquerda, assim como os demais territórios pertencentes ao pensamento desenvolvimentista.
Lula expele uma frase machista ou racista e qual a reação das militantes de gênero ou das instituições de defesa das etnias? Elogio. Notou-se a ausência do modelo negro e desdentado a quem o presidente da República deveria conseguir implantes odontológicos, em vez de o humilhar retirando-o da publicidade oficial. Onde o rapaz estava? Se o PT não o quis num folheto iria chamá-lo para festejar o governo da saúde?
Assim está o país de Dom Pedro II, filho do que gritou “Independência ou morte”. Maior intelectual que já dirigiu a nação, superando até Fernando Henrique Cardoso, Pedro II seria incapaz de tolerar as brutalidades de seus sucessores com o passado de glórias da nobreza. Não foi fácil se livrar de Portugal. Custou vidas. Custou rompimentos nos clãs. Custou a segurança jurídica na sucessão do trono. O Brasil optou por nadar sozinho num mar de tubarões, enfrentar forças militares da Coroa e deixar de ter uma cidade, o Rio de Janeiro, capital de um império europeu.
Depois dessas demonstrações de coragem, já com o país consolidado, o que fazem os dirigentes atuais? Preferem voar para os moinhos de ventos das ideologias e desonrar o legado dos que combateram o bom combate contra os portugueses a lutar por um país decente. Frase de cartazes? Não, eles não continham o óbvio.
O post Esquerda e direita se esquecem do País nos comícios do 7 de Setembro apareceu primeiro em O Hoje.