Às vésperas da prestação de contas referente ao segundo quadrimestre de 2025, a prefeitura de Goiânia recuou da decisão que determinava a retirada dos vendedores de água de coco e outros ambulantes do Parque Vaca Brava. Após repercussão negativa, o prefeito Sandro Mabel reconheceu publicamente que a forma como a operação foi conduzida estava errada e disse que a gestão vai adotar novas abordagens, com mais diálogo e apoio social.
“Nós erramos. Uma ação que eu chamei a atenção do secretário de Eficiência, uma ação errada. Nós fomos mexer com os vendedores de coco. Não é assim que se mexe. Você tem que chegar no vendedor, explicar a situação, criar a condição para ele trabalhar”, afirmou Mabel.
O prefeito também anunciou que, a partir de agora, ações junto a trabalhadores informais terão acompanhamento de equipes da assistência social, sob responsabilidade da secretária Eerizania Freitas, em conjunto com a vice-prefeita Coronel Cláudia.
“Temos que cuidar, porque são pais de família e mães de família que precisam trabalhar. Então, agora, não vamos fazer nenhuma abordagem sem ter assistente social junto, como foi feito na Feira Hippie e na 44. Tem que dar um ponto pro camarada”, completou.
Uma equipe da prefeitura esteve no parque na segunda-feira (29/9) e, na terça-feira (30), data em que foi realizada uma reunião conduzida pelo secretário de Eficiência, Fernando Peternella, com participação de outras pastas. No encontro, foi apresentada a proposta de utilização de estruturas móveis que não obstruem calçadas e que sejam mais adequadas ao espaço urbano. A ideia é padronizar a atividade com carrinhos desmontáveis licenciados.
Segundo a prefeitura, os comerciantes terão um prazo de até três meses para realizar a transição dos quiosques atuais para o novo modelo. Durante esse período, não haverá retirada forçada, mas a exigência preocupa quem trabalha sozinho e depende exclusivamente da renda gerada no local.
Vendedora teme perder sustento diante de novas exigências
É o caso da Marly Borges, de 56 anos, que há 10 anos vende água de coco no Vaca Brava. Com semblante cansado, ela conta que a rotina é puxada: sai de casa em Aparecida de Goiânia às 6h, enfrenta mais de duas horas de transporte público por dia, e finaliza o expediente somente às 19h. Além de trabalhar de domingo a domingo, ainda se desdobra cuidando do marido, que está afastado do trabalho por questões de saúde.
“Ainda fico insegura porque são três meses… Ele quer que mude, que desmonte o quiosque, leve pra casa e volte de novo. Eu não tenho condições de fazer isso”, relata. “Moro em Aparecida de Goiânia, gasto duas horas para vir e voltar de ônibus. Além disso, cuido do meu marido que está afastado. Estou aqui de domingo a domingo.”
Marly afirma que trabalha de forma honesta, buscando apenas garantir o sustento da casa. A nova exigência da prefeitura, de montar e desmontar o carrinho todos os dias, preocupa. “Como eu, sozinha, vou sair e voltar pra cá carregando esse peso todo dia? Não tenho ninguém pra me ajudar.”
Além das dificuldades físicas, ela ainda lida com dívidas. “Acabei de pagar seis parcelas de R$ 600, de um acordo com a prefeitura. Se eu não pagar em dia, eu perco. E agora vem esse carrinho, mais gasto. Eu não tenho condições.”
Ela também teme que, com a idade e a situação atual, não consiga outra forma de sustento caso perca o ponto. “Eu trabalho aqui há 10 anos. Estou insegura, porque ainda não está nada definido. Mas tenho fé em Deus que Ele vai me ajudar. Porque ninguém vai querer me contratar mais”, finaliza.
Segundo Mabel, a ideia é padronizar a atividade com a criação de carrinhos licenciados e organizados, dando condições para que os comerciantes possam se regularizar sem perder a fonte de renda.
“Vamos fazer uns carrinhos de coco bacanas, bonitos, arrumados, licenciar esse cara, dar condição dele financiar aquele carrinho. Enquanto isso, se tiver que deslocar algum, vamos realocar em outro lugar, mas nós temos que cuidar”, destacou.
Em nota enviada ao jornal O HOJE, a prefeitura informou que está conduzindo a regularização dos vendedores do Vaca Brava de forma semelhante ao processo realizado na Região da 44, onde ambulantes foram retirados, mas depois reorganizados com autorização e estrutura.
O Termo de Compromisso que vai regulamentar a permanência dos vendedores no parque ainda está sendo elaborado e deverá estabelecer regras como uso de estruturas móveis, respeito às normas de higiene e segurança, e liberação de espaço nas calçadas.
A prefeitura garante que o processo será feito com diálogo e sem pressa, para que nenhum trabalhador seja prejudicado. Apesar das promessas, Marly ainda está insegura. O medo de perder tudo o que construiu em uma década de trabalho está presente todos os dias. O que era rotina agora é incerteza.
A gente voltou, mas por quanto tempo? Vendedoras relatam incerteza
Depois de dias de incerteza e prejuízo no bolso, as vendedoras de água de coco começaram a retornar aos seus pontos. Mas ainda não sabem até quando poderão continuar no mesmo lugar. Segundo a prefeitura, elas têm um prazo de três meses para se adequar ao novo modelo, com carrinhos desmontáveis. O medo é de perder, de novo, a única fonte de renda.
Durante esse período, podem continuar nas calçadas, desde que não atrapalhem a passagem. Mas, depois disso, todos deverão trocar os quiosques atuais, Também será necessário sair da área superior do parque e descer para uma região mais próxima à rua.
“Fiquei em casa duas semanas, sem trabalhar, sem saber o que ia acontecer. O impacto foi grande. As contas só foram acumulando”, contou Fábia Miranda, que voltou a montar sua estrutura nesta semana.
Ela explica que só conseguiu retornar porque a prefeitura ofereceu transporte para levar o quiosque de volta ao parque. “Eles perguntaram se eu tinha como trazer minhas coisas, falei que não. Então mandaram um caminhão buscar. Chegaram lá ontem (1º) por volta de 8h30 e me ajudaram a voltar”, relata.
Fábia trabalha sozinha, vendendo coco para sustentar a filha. “Eu deixo ela com uma moça que leva pra escola. Venho trabalhar por volta de 9h e fico até 19h30, às vezes 20h. Volto, pego minha filha e vou pra casa cuidar de tudo”, diz. “O coco é meu único sustento.”
Adriele Pereira, outra vendedora que retornou esta semana, também relata alívio por ter conseguido reabrir o quiosque. “Falaram que a gente poderia voltar por enquanto. O pessoal da Prefeitura veio com o caminhão e ajudou a trazer minhas coisas”, conta.
Ela começa o dia cedo. “Chego aqui entre 6h30 e 7h e fico até às 21h30, 22h. À noite tem mais movimento, então fico direto.” Apesar da volta, ela também sente o peso da incerteza. “Deram 90 dias pra gente juntar dinheiro e comprar a carretinha, que é o modelo novo. Depois disso, a gente vai ter que sair daqui de cima.”
A ideia da prefeitura é que, após esse prazo, os vendedores desçam para a rua do parque, porque eles vão criar um recuo na calçada, mas isso também preocupa quem vive disso. “Vamos competir com carro, ciclista… Vai ser difícil achar espaço pra trabalhar. A gente vai ter que chegar às 4h da manhã pra arrumar vaga”, diz Adriele.
Além disso, nenhuma das duas tem o alvará regularizado ainda. Fábia lembra que, da primeira vez, “ninguém queria conversar”. Agora, a prefeitura prometeu diálogo, mas não deu prazo exato para liberar a documentação. “Falaram que pode ser prorrogado, mas a gente não sabe. Só jogaram os três meses e pronto.”
Ela também lembra que, no passado, chegou a pagar R$ 90 de taxa para dar entrada no processo de regularização, mas não teve retorno. “A gente quer trabalhar direito, só precisa que eles deixem e ajudem. Porque fazer tudo sozinha, sem estrutura, é difícil.”