Bruno Goulart
O debate em torno do Projeto de Lei 2162/2023, inicialmente apelidado de “PL da Anistia”, vive um momento decisivo em Brasília. Sob a relatoria do deputado Paulinho da Força (Solidariedade-SP), a proposta deixou de falar em perdão amplo e irrestrito para os condenados pelos atos golpistas de 8 de janeiro de 2023 e passou a ser apresentada como um “PL da Dosimetria”, isto é, de redução de penas. A mudança de nomenclatura veio após reuniões com lideranças como o ex-presidente Michel Temer (MDB) e o deputado federal Aécio Neves (PSDB-MG), que defenderam um “pacto republicano” para pacificar o País e evitar novo confronto com o Supremo Tribunal Federal (STF).
Mas a tentativa de rebatizar o projeto não eliminou resistências. Pelo contrário, os protestos que tomaram as ruas em todas as capitais no último domingo (21) alteraram o jogo político. Multidões foram às ruas contra a chamada “PEC da Blindagem” e também contra qualquer forma de anistia aos condenados. Esse movimento, que uniu forças do centro à esquerda, reduziu a margem de manobra da extrema direita no Congresso.
Segundo o cientista político Francisco Tavares, professor da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Goiás (UFG), ouvido pelo O HOJE, os efeitos são claros: “Pela primeira vez, o espectro político que vai do centro até a esquerda conseguiu mobilizar multidões em todo o País de um modo que não fazia desde 2013 ou talvez antes disso. Isso impacta o processo legislativo, tornando muito mais difícil a aprovação de uma anistia plena e menos provável, inclusive, uma anistia que apenas reduza o tamanho da imputação penal”.
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Ainda de acordo com o professor, a extrema direita perdeu uma de suas principais armas: a pressão das ruas. “Agora eles não têm mais ameaça de povo na rua. Justamente porque o povo foi para a rua contra a PEC da Blindagem, que certamente será inviabilizada no Senado, não existe mais esse acordo. Isso deve fazer com que muitos parlamentares de centro, como PSB, MDB e União Brasil, que, em outro contexto, poderiam apoiar uma anistia, não o farão a partir de agora”, explicou.
Esposa de Moraes
Enquanto isso, outro elemento alimenta a tensão política. O governo de Donald Trump decidiu aplicar a Lei Magnitsky contra Viviane Barci de Moraes, esposa do ministro Alexandre de Moraes, do STF, e contra o instituto mantido pela família. As sanções incluem restrições financeiras e territoriais, além da perda de vistos. O gesto foi comemorado por aliados de Jair Bolsonaro (PL), que há meses pediam que os EUA atingissem familiares de ministros.
Mas qual o impacto disso sobre o Brasil? Para Francisco Tavares, praticamente nenhum. “Não terão efeito do ponto de vista da atuação do Poder Judiciário, que já precificou esse tipo de sanção. Dificilmente vai mudar sua conduta em razão de novas medidas. Tampouco uma sanção dos Estados Unidos contra membros e familiares do Judiciário brasileiro têm o condão de interferir sobre o processo legislativo ou sobre a conduta de parlamentares no que diz respeito à anistia e medidas congêneres”, avaliou.
Em outras palavras, o efeito simbólico é real, mas o efeito prático é nulo. Para o cientista político, o que de fato pesa no cálculo dos deputados é a pressão popular. “A possibilidade de aprovação do projeto hoje é bem menor do que ontem, porque os protestos fizeram efeito. Ainda é provável que prossiga algum projeto que reduza penas, mas dificilmente um projeto que permita que Jair Bolsonaro se candidate ou não passe um bom tempo em regime fechado na prisão”, disse Tavares.
No Congresso, a reação também mostra mudança de ventos. O presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), já declarou que é hora de “tirar da frente todas essas pautas tóxicas”. Para muitos parlamentares, o recado é claro: insistir na anistia pode custar caro diante da pressão das ruas e do risco de isolamento político.
Atualmente, 141 pessoas continuam presas pelos atos golpistas. O STF tem mantido uma linha dura e recentemente condenou Bolsonaro a mais de 27 anos de prisão em regime inicial fechado. (Especial para O HOJE)
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