Com o envelhecimento acelerado da população brasileira, profissões ligadas ao cuidado de pessoas idosas ganham protagonismo. O que antes era visto como uma responsabilidade exclusivamente familiar — e, dentro dela, majoritariamente feminina — começa a se consolidar como um setor profissional estratégico e promissor. Cuidadores de idosos, atividade historicamente informal e invisibilizada, despontam como protagonistas de um mercado que tende a crescer de forma exponencial nas próximas décadas.
Demanda explode, mas mercado segue informal
Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), o número de cuidadores remunerados no Brasil cresceu 15% entre 2019 e 2023, alcançando 840 mil pessoas. Mas esse é apenas o começo. Estima-se que 5,1 milhões de brasileiros — a maioria mulheres — exerciam em 2019 cuidados não remunerados a pessoas com 60 anos ou mais. Esses dados indicam não apenas um mercado reprimido, mas também a urgência de políticas públicas que reconheçam, regulamentem e profissionalizem o cuidado.
O que prevê a Política Nacional de Cuidado
A transformação dessa realidade depende, em grande parte, de decisões políticas. Para o pesquisador Jorge Félix, cuidar já é uma “profissão crítica” no Brasil do presente. E poderá ser uma profissão estruturada e valorizada no futuro, desde que o Estado assuma o cuidado como um direito social. O Projeto de Lei que estabelece a Política Nacional de Cuidado, enviado ao Congresso pelo governo federal, é apontado como um passo importante nesse sentido.
Segundo o Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS), a política busca garantir o direito ao cuidado e reduzir a sobrecarga que hoje recai sobre as famílias, sobretudo sobre as mulheres. Além disso, prevê ações para a valorização profissional, como formação técnica, acesso a direitos trabalhistas e fiscalização das condições de trabalho. Em 2019, contudo, um projeto de regulamentação da profissão de cuidador foi vetado pelo então presidente Jair Bolsonaro, sob a justificativa de que feria a liberdade profissional.
O crescimento de franquias e clínicas especializadas
Enquanto a regulamentação definitiva não avança, o mercado cresce de forma desigual. Segundo o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), o número de cuidadores de idosos contratados passou de 5.263, em 2012, para 34.054, em 2022 — um aumento de 547%. O crescimento se acelerou após a pandemia de Covid-19, que agravou quadros clínicos e aumentou a dependência de idosos nas atividades do dia a dia.
Esse cenário também abriu espaço para o empreendedorismo. A enfermeira Rosemary Teles, com mais de duas décadas de experiência em cuidados domiciliares, abriu uma franquia da rede Cuidare. Hoje, a marca tem 70 unidades no país e faturou cerca de R$ 150 milhões em 2024, empregando mais de 10 mil cuidadores. Para Rosemary, o envelhecimento populacional, somado ao aumento de comorbidades e à fragilidade das redes familiares, exige profissionais qualificados e bem preparados.
Demanda explode, mas mercado segue informal e desregulado
Valorização profissional exige formação
A qualificação, aliás, é ponto central para quem deseja atuar na área. A formação técnica inclui conhecimentos em gerontologia, primeiros socorros, fisioterapia básica e mobilização de pacientes, além de habilidades comportamentais como empatia, paciência e escuta ativa. “O cuidador não é um acompanhante ou um doméstico. Ele precisa de conhecimento técnico e também de preparo emocional para lidar com a rotina desgastante do cuidado”, explica Rosemary.
A cuidadora Luciene Pereira da Silva é um exemplo dessa evolução profissional. Após enfrentar complicações em um parto, interessou-se pela área e buscou formação técnica. “Minha primeira paciente tinha Alzheimer. Estudei muito para entendê-la melhor. Além do carinho, é necessário conhecimento técnico para lidar com acamados e pacientes em sofrimento psicológico”, diz. Luciene acredita que a valorização da profissão também passa por cuidados com os próprios cuidadores, como suporte psicológico e reconhecimento social. “Atendemos pessoas com depressão e, muitas vezes, absorvemos isso. Quando perdemos um paciente, ninguém nos acolhe. Precisamos seguir em frente, sozinhos.”
Desafios do reconhecimento social e trabalhista
Apesar das oportunidades crescentes, os desafios ainda são grandes. Um deles é a confusão comum entre o papel do cuidador e o do trabalhador doméstico. “Muitas famílias ainda misturam as funções e esperam que o cuidador cozinhe, limpe ou exerça tarefas alheias à função”, explica Rosemary. Esse tipo de sobrecarga é frequente e reflete tanto a falta de regulamentação como o desconhecimento da população.
A remuneração também varia. Na Bahia, por exemplo, cuidadores autônomos recebem em média R$ 1.800, podendo chegar a R$ 3.000 em clínicas especializadas — ainda assim, sem benefícios como plano de saúde ou apoio emocional. Já os serviços públicos de atenção domiciliar oferecidos pelo SUS por meio das equipes da Estratégia de Saúde da Família não são suficientes para atender à crescente demanda de idosos dependentes.
A mudança demográfica é inegável. Em 2023, o Brasil chegou à marca de equivalência entre o número de crianças (0 a 14 anos) e idosos (60 anos ou mais). Até 2070, o IBGE projeta que mais de um terço da população brasileira será composta por pessoas idosas. Ao mesmo tempo, a taxa de fecundidade caiu de 2,32 filhos por mulher, em 2000, para 1,57, em 2023 — ou seja, haverá menos filhos disponíveis para cuidar dos pais.
Diante disso, o cuidado não pode continuar sendo tratado como um “problema privado”. Como resume o geriatra Juliano Silveira, “vamos ter mais pessoas vivendo por mais tempo e com menos familiares para cuidar delas. O nicho do cuidado ao idoso precisa ser ampliado em todas as frentes: cuidadores domiciliares, home care, instituições de longa permanência e apoio às famílias.”
A pergunta “cuidar é profissão do futuro?” tem, portanto, uma resposta condicional. O cuidado certamente será uma das maiores necessidades do país. Se o Brasil decidir estruturar essa atividade como uma política pública, com valorização profissional, garantias trabalhistas e reconhecimento social, então sim — cuidar será uma das profissões mais relevantes do futuro. Se não, será apenas mais uma expressão da desigualdade social empurrada para dentro das casas, mantida por mulheres anônimas e invisíveis.
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