A nova febre da internet são os bebês reborns: bonecas hiper-realistas que imitam com perfeição os traços de recém-nascidos. O que começou como uma curiosidade para colecionadores e pais de crianças pequenas agora alcança novos patamares e novas polêmicas.
As redes sociais estão cheias de vídeos de adultos alimentando, trocando fraldas e até colocando as bonecas para dormir, como se fossem filhos reais. A prática divide opiniões e levanta debates sobre saúde mental, carência emocional, vínculos simbólicos e, mais recentemente, até disputas legais.
Caso inusitado em Goiás leva disputa simbólica ao Judiciário
Em Goiás, um caso chamou atenção ao expor um cenário improvável: um casal, após o fim do relacionamento, buscou orientação jurídica para decidir quem ficaria com a “filha”. A “criança” em questão, no entanto, era uma bebê reborn. A advogada Suzana Ferreira, que atendeu o caso em Aparecida, relatou a história em um vídeo nas redes sociais. O conteúdo viralizou, ultrapassando três milhões de visualizações em apenas dois dias.
O homem, segundo o relato da advogada, alegava profundo apego emocional à boneca. Ele não queria outra, queria aquela, com quem havia construído um vínculo simbólico. “Não é simplesmente ‘quero ver a bebê tantos dias na semana’. Foram feitos investimentos”, afirmou Suzana, mencionando gastos com um enxoval completo, acessórios e a existência de uma conta no Instagram com monetização ativa administrada anteriormente pelo casal.
A profissional fez um alerta: “A popularização dos bebês reborns pode gerar uma enxurrada de problemas para o Judiciário”. Ela relata que esse não é um caso isolado. Já existem discussões jurídicas envolvendo guarda simbólica de bonecas e divisão de bens digitais ligados à vida social dos “filhos reborns”.
Enquanto isso, no comércio, a procura por essas bonecas só aumenta. Artista reborn e proprietária de uma loja em Goiânia, Riquene Campos trabalha com esse nicho desde 2022. Ela conta que a maioria dos clientes ainda é composta por pais que buscam oferecer experiências lúdicas a filhos pequenos.
“Os pais querem que as meninas vivam o lúdico, criem histórias e desenvolvam o cognitivo. As bonecas reborn ajudam muito nesse processo”, explica. A loja produz modelos variados, desde prematuros até bebês de 10 meses. O valor médio gira em torno de R$ 1.850.
Apesar da fama de serem usadas com fins terapêuticos como em casos de luto ou infertilidade, Riquene afirma que esse público é minoria. “Já vendi para uma mãe que perdeu o filho recém-nascido, e ela encontrou na boneca um certo conforto. Mas esse tipo de uso não é comum”, pontua. Para ela, muitas postagens exageram ou ridicularizam a prática: “A maioria das pessoas sabe bem o que é real e o que é simbólico”.
Psicologia e simbolismo: quando o afeto ultrapassa o real
Contudo, o apego exagerado a essas bonecas pode sim carregar implicações emocionais importantes. A psicóloga clínica e neuropsicóloga Patricia Aparecida Pereira Lima aponta que dar vida simbólica a um bebê reborn pode ser reflexo de uma tentativa inconsciente de lidar com sentimentos como solidão, carência ou perdas profundas.
“Algumas pessoas precisam cuidar de algo. Se estão emocionalmente fragilizadas, sem filhos ou lidando com lutos, a boneca pode ocupar esse espaço afetivo. Isso pode trazer sensação de controle e conforto”, analisa.
Patricia observa, porém, que o comportamento merece atenção quando passa a interferir na vida social, profissional ou emocional do indivíduo. “Quando há um distanciamento da realidade, é sinal de alerta. A fantasia começa a se sobrepor à vida real.”
Casos extremos podem estar ligados a transtornos de personalidade, Transtorno Obsessivo-Compulsivo (TOC) ou quadros de depressão e ansiedade. “É uma forma simbólica de buscar segurança emocional, às vezes como uma regressão inconsciente à infância”, explica a psicóloga.
Ela também analisa o contexto social que sustenta o crescimento dessa tendência. “Vivemos em uma sociedade acelerada, com vínculos frágeis. O reborn pode representar a tentativa de resgatar algum afeto, de preencher uma ausência.”
A linha tênue entre o afeto simbólico e o mundo jurídico
Ao mesmo tempo, a neuropsicóloga alerta para os riscos da viralização de fenômenos simbólicos desconectados da realidade. “As redes sociais amplificam comportamentos e criam novas normas subjetivas. Isso pode ser perigoso para pessoas vulneráveis emocionalmente.”
Enquanto isso, os bebês reborns seguem encantando, confortando e agora também dividindo casais e ganhando espaço nos tribunais. A linha entre o afeto simbólico e o mundo jurídico nunca esteve tão tênue.
Vídeos fictícios de reborns geram polêmica nas redes sociais
Os vídeos com bonecas reborn vêm conquistando milhões de visualizações nas redes sociais. Mas nem todo mundo entende que, por trás das cenas de fraldas, mamadeiras e “consultas médicas”, há uma proposta de conteúdo fictício. Foi o que viveu a jovem mineira Yasmim Becker, de 17 anos, após gravar um vídeo em que levava seu boneco, Bento, a um hospital, dizendo que ele “não estava se sentindo bem”.
“Hoje foi um dos dias mais corridos e assustadores para mim. Já peguei a bolsa dele e arrumei com tudo o que poderia precisar no hospital às pressas”, narra no vídeo publicado no Tik Tok. Nas imagens, a jovem aparece pesando a boneca, simulando um atendimento de emergência. A cena rendeu milhares de curtidas, mas também uma onda de críticas.
“E quem deu alta pra essa mãe?”, escreveu um internauta. Em resposta, Yasmim explicou: “Sou colecionadora reborn e gravo vídeos fictícios para a comunidade infantil! Acalmem o coração de vocês”.
Com mais de 100 mil seguidores nas redes sociais, ela contou em entrevista ao Terra que o conteúdo é roteirizado e pensado para entreter o público infantil. Cada boneca custa entre R$ 2 mil e R$ 4 mil, além do investimento com roupinhas e acessórios de marcas conhecidas.
Apesar do realismo, Yasmim garante: tudo é encenação. “A fórmula infantil que apareceu no vídeo, por exemplo, estava vazia. Era do meu afilhado. Faço o leite com tinta”, explicou após ser acusada de desperdício. Já o vídeo no hospital foi feito, segundo ela, durante a visita a uma amiga que havia acabado de dar à luz. “A mãe deixou eu colocar o boneco no bercinho só para gravar rapidamente. Não atrapalhei o atendimento, nem tirei espaço de ninguém”, afirmou.
Colecionadora desde 2020, ela diz que leva uma vida comum. “Sou estudante, quero ter filhos no futuro. Isso é só um hobby, como qualquer outro.”
A jovem também participou de um encontro de colecionadores em São Paulo, evento que vem ganhando força no Brasil e mostrando que, para muitos, a relação com os reborns vai além da estética: é também uma forma de expressão, afeto e, muitas vezes, uma nova forma de se comunicar com o mundo digital.