Bruno Goulart
O bolsonarismo vive um de seus momentos mais delicados desde 2018. A condenação de Jair Bolsonaro a 27 anos e 3 meses de prisão por tentativa de golpe de Estado escancarou o enfraquecimento político do ex-presidente e deixou o PL sem direção. O partido, que deveria liderar a oposição, parece preso à sombra de sua maior liderança — “usando tornozeleira eletrônica”, como definiu, ao O HOJE, o mestre em História e especialista em políticas públicas Tiago Zancopé.
A metáfora resume bem o momento. Bolsonaro anda, mas não sai do lugar. Cumpre prisão preventiva em regime domiciliar e tenta preservar uma influência que se dissolve a cada semana. A defesa do ex-presidente ainda vai apresentar recurso contra a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), publicada nesta quarta-feira (22) — tem cinco dias, mas, politicamente, a sentença já produziu efeito devastador: o bolsonarismo perdeu o eixo e segue sem candidato viável para 2026.
Enquanto isso, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) avança. Mesmo após desgastes com o tarifaço imposto pelos Estados Unidos a produtos brasileiros, o chefe do Palácio do Planalto conseguiu recompor apoios e fortalecer sua base. O Centrão, sempre sensível à temperatura do poder, voltou a pedir mais espaço no governo — depois de inúmeras ameaças de desembarque.
“Bolsonaro é como Hugo Chávez”
Ex-presidente seguem em prisão domiciliar. Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil
Para Tiago Zancopé, o impasse nasce da incapacidade de Bolsonaro em delegar poder. “Ele tem o mesmo problema de Hugo Chávez (ex-presidente venezuelano): quando delega, mina o próprio delegado”, analisa. O especialista lembra que o ex-presidente sabotou aliados — de Paulo Guedes (ex-ministro da Economia) a Arthur Lira [ex-presidente da Câmara dos Deputados (PP-AL)] — e hoje não consegue preparar um sucessor. “Bolsonaro ainda acredita ter um recall eleitoral que já não existe”, completa.
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O resultado é um partido dividido. Parte do PL defende lançar Tarcísio de Freitas (Republicanos) a presidente, mesmo que corra o risco de perder o Governo de São Paulo. O governador paulista já indicou que prefere abrir caminho para Ratinho Jr. (PSD), do Paraná, na corrida pelo Planalto. Outros apostam na ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro (PL), numa tentativa de preservar o sobrenome e o apelo emocional. Mas, para Zancopé, ambas as alternativas soam frágeis. “É difícil saber se isso é expectativa, sonho ou delírio. Bolsonaro ainda acredita que pode se viabilizar, mas o tempo está passando”, afirma.
Lula 4
Enquanto o bolsonarismo se perde em disputas internas, Lula mira o futuro. O petista reforça sua base institucional e prepara o terreno para um possível governo Lula 4. Nomes como o do vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB) e dos ministros Fernando Haddad (Fazenda), Rui Costa (Casa Civil) e Gleisi Hoffmann (Relações Institucionais) aparecem como potenciais continuadores do projeto. “O timing está escapando das mãos do PL. Já podemos começar a precificar um Lula 4”, diz o especialista.
A analogia feita por Zancopé pode se tornar certeira, a depender do cenário que se dará nas eleições de 2026: o bolsonarismo, que surgiu como movimento de ruptura, hoje se parece com o sistema que dizia combater — fisiológico, personalista e preso ao próprio líder. Sem capacidade de renovação, o PL tornou-se refém da hesitação de Bolsonaro, que resiste em abrir espaço a novas lideranças.
No campo político, a equação é simples: Lula governa, articula e amplia influência. O PL espera ordens de quem está em prisão domiciliar. E o tempo, o mais implacável dos adversários, corre a favor do atual inquilino do Planalto.
O bolsonarismo, que já moveu multidões, agora tenta sobreviver às próprias amarras. Entre o medo de se fragmentar e a incapacidade de se reinventar, o movimento parece condenado a assistir — imóvel — ao fortalecimento de Lula e ao fim de uma era que já não encontra eco nas ruas. Política é assim. Tudo pode mudar num piscar de olhos. Agora, o eleitor pode se perguntar: quem vai ocupar o posto deixado por Bolsonaro? (Especial para O HOJE)