Bruno Goulart
“Vencemos a guerra sem precisar atirar em ninguém.” A frase do presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB), resume o sentimento de alívio institucional após o fim do motim bolsonarista que paralisou os trabalhos no Congresso por quase dois dias. Mas também revela a dimensão do conflito — simbólico, político e institucional — que ainda paira sobre Brasília. Afinal, com a desobstrução dos plenários, o chamado “pacote da paz” perdeu força ou apenas aguarda uma nova ofensiva?
A trégua, costurada entre líderes do centrão e da oposição, encerrou a ocupação física das mesas diretoras da Câmara e do Senado. Em troca, pelo menos nos bastidores, pautas como a anistia aos envolvidos no 8 de janeiro e o fim do foro privilegiado entraram no radar. Motta nega qualquer concessão. “A presidência da Câmara é inegociável… Não negocia suas prerrogativas com absolutamente ninguém”, disse, categórico. Mas o movimento da oposição, que ocupou o plenário por quase 30 horas, aponta o contrário.
A deputada federal Magda Mofatto (PRD), uma das protagonistas da obstrução, chegou a dizer ao O HOJE que a mobilização só terminaria com a aceitação das pautas bolsonaristas. “Se a gente desistir, o protesto foi inócuo”, afirmou. A desistência, porém, veio sem garantias explícitas. Ou não?
Leia mais: Estados Unidos fazem nova ameaça ao Supremo
Segundo o cientista político Lehninger Mota, houve uma diferença marcante entre as duas Casas. “No Senado, Alcolumbre teve uma postura mais firme, não cedeu muita coisa. Na Câmara, Motta fez compromissos, como pautar a anistia e o fim do foro privilegiado. Não sabemos se ele vai cumprir ou se, depois do acordo, vai sentar em cima”, analisou.
A própria fala do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) escancara essa ambiguidade. O filho mais velho do ex-presidente Jair Bolsonaro admitiu que o acordo feito no Congresso inclui pautar, mas não necessariamente aprovar, o projeto de anistia “geral e irrestrita” — medida que inclui seu pai, atualmente em prisão domiciliar. Ao lado do impeachment do ministro Alexandre de Moraes e do fim do foro, a proposta compõe o chamado “pacote da paz”, com o qual bolsonaristas buscam uma saída institucional para o seu líder e aliados.
Nesse ambiente, há vozes no plenário que pedem uma solução mais direta. O deputado federal Zacharias Calil (UB) avaliou ao O HOJE que o clima em Brasília “melhorou” e está “bem apaziguado”, mas não vê motivo para evitar o debate sobre a anistia. “Será uma pressão forte para pautar. Deixa pautar. Não entendo o motivo de não pautar. Mas não houve um acordo com Hugo Motta, e sim com os líderes. Não pode deixar a coisa morrer sem ter a conversa e o diálogo”, disse.
Calil também defende o impeachment de Alexandre de Moraes. “São decisões tomadas de forma monocrática. O que a gente vê é uma ditadura do Judiciário. Acho que Alexandre de Moraes tem algum problema. O STF não deveria interferir tanto.”
Pior tipo de paz
Mas há paz possível nesse cenário? Para o historiador Tiago Zancopé, especialista em políticas públicas, o contexto lembra mais uma trégua armada. “É uma paz armada, que é o pior tipo de paz: aquela em que você está se preparando para a guerra”, afirmou. Ao O HOJE, Zancopé foi além: “Eu não consigo ver hoje um cenário de normalidade voltando ao Congresso. O tensionamento ultrapassou linhas vermelhas. Cruzou-se o Rubicão”, comparou, ao evocar a célebre frase de Júlio César no início de sua marcha sobre Roma.
Zancopé faz questão de destacar que a anistia de 8 de janeiro não se compara à anistia da ditadura militar. “Quem lutava na ditadura combatia um regime de exceção. Já agora, o que se viu foi uma tentativa de golpe contra uma eleição legítima, contra a democracia”, afirmou. “Tramaram a morte do presidente, do vice, e de um ministro do Supremo. Não dá pra tratar isso como um simples protesto.”
O historiador vê um cenário preocupante, em que a política se confunde com autoritarismo. “A estratégia do bolsonarismo se assemelha ao chavismo inicial: se não for do nosso jeito, não tem jeito. Isso não é política, é antipolítica”, disse. Para Zancopé, o maior risco é normalizar esse comportamento no Parlamento: “Eles confundem maioria com hegemonia, tratam adversários como inimigos. Isso rompe com a lógica democrática”.
Ambiente de incerteza
Apesar da retomada dos trabalhos legislativos, o ambiente ainda é de incerteza. “A próxima semana promete ser decisiva”, avalia Lehninger Mota. O cientista político pondera que tudo depende dos desdobramentos políticos e da pressão popular. “Se não houver mobilização fora do Congresso, as pautas podem esfriar. Mas se a base bolsonarista continuar pressionando, o cenário pode mudar rapidamente.”
No Senado, o presidente Davi Alcolumbre (UB-AP) já deu o tom: não pretende pautar nenhum pedido de impeachment de ministros do Supremo. Na Câmara, resta saber se Motta irá de fato abrir espaço para as pautas reivindicadas ou se apenas ganhou tempo com uma promessa ambígua.
No fim das contas, a pergunta que paira sobre Brasília continua sem resposta clara: o “pacote da paz” morreu ou apenas recuou para avançar em outro momento? Para Zancopé, ainda que parte da pressão tenha recuado, o risco permanece. “Se a paz for imposta para libertar Bolsonaro e remover Moraes, é uma paz que exige submissão. E não há democracia em uma paz sem justiça.” (Especial para O HOJE)
O post “Pacote da paz” esfria e deixa Congresso sem pacificação apareceu primeiro em O Hoje.