Bruno Goulart
A aprovação pelo Senado do Projeto de Lei Complementar (PLP) 192/2023, que altera a forma de contagem da inelegibilidade na Lei da Ficha Limpa, reacendeu uma das polêmicas mais marcantes da política brasileira: até onde deve ir o rigor contra políticos condenados? A proposta, de autoria da deputada Dani Cunha (União Brasil-RJ), passou na última terça-feira (2) por 50 votos a 24 e agora depende da sanção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Para o advogado eleitoral Dyogo Crosara, ouvido pelo O HOJE, a mudança pode ser positiva em casos de menor gravidade. Crosara destaca que, em certas situações, a lei atual provocava punições desproporcionais. “Ao longo desses 15 anos de vigência da Ficha Limpa já tivemos várias discussões e interpretações. Essa alteração vem para atender um reclamo de muita gente. Em crimes pequenos ou que não representem dano ao erário, a inelegibilidade ficava muito longa. Em alguns casos, eu entendo que esta alteração é interessante e visa evitar uma punição exagerada”, afirmou Crosara.
O também advogado eleitoral Leon Safatle vê a alteração como uma correção necessária em uma lei que já nasceu confusa. “A Lei da Ficha Limpa, já disse uma vez o ministro Gilmar Mendes, parece ter sido feita por bêbados. E, de fato, é bastante confusa. O próprio Marlon Reis, que foi o propositor, confessou que ela foi redigida enquanto tomavam vinho. Quando você abre a lei para ler, vê dispositivos que tornam sua aplicação muito complexa. Um mesmo fato podia se enquadrar em vários incisos, gerando inelegibilidades praticamente eternas, de 15 anos ou até mais. Essa correção é prudente porque estabelece limites mais claros. Eu mesmo defenderia que a contagem sempre começasse a partir da condenação. Ainda há pontos de dúvida, mas é uma iniciativa importante para tornar a lei mais objetiva”, avaliou.
Leia mais: Direita se reorganiza após início do julgamento da trama golpista
Outro eleitoralista, o advogado Júlio Meirelles classifica as mudanças como ajustes pontuais. Meirelles ressalta que o prazo de inelegibilidade continua sendo de oito anos, mas admite que, em alguns casos, o período pode ser encurtado. “São ajustes pontuais em alguns dispositivos da Lei da Ficha Limpa que sempre geraram discussões e controvérsias. Não há redução no prazo de inelegibilidade propriamente dita. Esse se mantém em oito anos. O que prevê o projeto são alterações e (ou) complementações que definem o marco inicial para a contagem do prazo de inelegibilidade, o que, no fim das contas, poderá, sim, em alguns casos, diminuir o período em que determinado agente político apenado ficará inelegível. Algumas dessas definições sobre o início da contagem da inelegibilidade já são pacificadas na jurisprudência do TSE e STF”, disse ao O HOJE.
O projeto
Pelo texto aprovado, o prazo de inelegibilidade passa a contar a partir da condenação, renúncia ou decisão que determine a perda do cargo, não mais após o fim do mandato em curso. Isso significa que o tempo de afastamento das urnas será reduzido na maioria dos casos. Além disso, o projeto fixa um limite máximo de 12 anos de inelegibilidade mesmo em casos de múltiplas condenações e proíbe a aplicação de mais de uma sanção por fatos semelhantes. Nos crimes mais graves, como corrupção, homicídio, terrorismo, tráfico de drogas e crimes contra a dignidade sexual, a regra será mais rígida: o prazo de oito anos só começará a contar após o cumprimento da pena.
As consequências políticas são imediatas. Se sancionada, a lei pode beneficiar já em 2026 políticos antes impedidos de concorrer. O exemplo mais citado é o de Eduardo Cunha (Republicanos-RJ), ex-presidente da Câmara e pai da autora da proposta. Cassado em 2016 e com inelegibilidade declarada até 2027, Cunha poderia disputar novamente, já que, com a nova regra, seu prazo teria se encerrado em 2024. (Especial para O HOJE)
O post Mudanças na Ficha Limpa: avanço contra exageros ou brecha para impunidade? apareceu primeiro em O Hoje.