O jogo do poder no mundo tem três pilares, sexo, dinheiro e violência. A ordem talvez mude, a intensidade nem sempre é a mesma e o percentual varia, porém são esses os eixos que levam a política para a frente ou em retrocesso. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva admite que nunca leu sequer um livro, mas tem a vivência, a prática como governo e oposição, como estilingue e vidraça. Por isso, mudou de fase com o Congresso Nacional, usando nas negociações diante de deputados e senadores o arsenal de que dispõe – cargos e emendas, uma variação resumida do trio do início do texto. É o idioma aceito pelo nicho, pois não adianta falar o Português culto com bandido ou a linguagem do gueto na Academia Brasileira de Letras. O eficiente é fazer a pergunta certa, como Silvio Santos: “Quem quer dinheiro?”. Essas palavras, juntas, são sinônimos de dinheiro, sexo e violência.
Lula adotou o sistema que só não é mais prático que óbvio: se o partido não orientar voto favorável a projetos recomendados pelo líder do governo, e a matéria for rejeitada, alguns de seus integrantes serão tirados da folha de pagamento. Atenção para um detalhe: não cai o ministro ou o secretário-executivo da pasta, apenas alguém entre os muitos apaniguados. Sexo e poder sem violência.
Outra estratégia se concentra nas emendas. As impositivas são pagas, assim como quase todas as demais. No entanto, uma espécie de reserva técnica abastece o caixa de governos estaduais e prefeituras que funcionam como base dos parlamentares. Nem sexo, nem dinheiro, só violência. Querem fazer obra, comprar maquinário ou levar serviços para determinado lugar abrangido extraordinariamente? Primeiro, passa lá na sala da ministra Gleisi Hoffmann e explica o motivo das frequentes traições ao se apreciar projetos nos plenários do Legislativo.
Até agora, Lula exonerou menos de 400 ocupantes de funções influentes, uma parcela pequena diante das quase 100 mil nomeações possíveis sem concurso público. Cinco partidos do Centrão, que tanta dor de cabeça inchada têm dado ao governo, ocupam 11 ministérios:
3 do PSD – Agricultura e Pecuária (Carlos Fávaro, MT), Minas e Energia (Alexandre Silveira, MG) e Pesca e Aquicultura (André de Paula, PE);
3 do MDB – Cidades (Jader Barbalho Filho, PA), Transporte (Renan Calheiros Filho, AL) e Planejamento e Orçamento (Simone Tebet, MS);
3 do União Brasil – Turismo (Celso Sabino, PA) e dois cargos indicados pelo presidente do Senado, Davi Alcolumbre (AP), que é do UB, Comunicações (Frederico Siqueira, sem filiação) e Integração e Desenvolvimento Regional (Waldez Góes, que é do PDT, mas antes de tudo é do PDA, Partido de Davi Alcolumbre);
1 do PP – Esporte (André Fufuca, MA, que se continuar o jogo de gata-parir prefere deixar o partido a sair do ministério);
1 do Republicanos – Portos e Aeroportos (Silvio Costa Filho, PE).
A lista é uma bomba como as que o Governo Trump planeja, acertadamente, jogar sobre Nicolás Maduro para tirá-lo do comando da Venezuela. Observe que, à exceção do MDB, os demais partidos têm pré-candidatos a presidente da República prontos para enfrentar Lula. Aliás, o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, é do Republicanos, que tem centenas de integrantes em diversos escalões nos Estados. Caso idêntico ao do PSD, com dois presidenciáveis, os governadores de Paraná, Ratinho Júnior, e Rio Grande do Sul, Eduardo Leite. Repete-se a cantiga com a federação União Progressista, formada por PP e UB, que conta com o governador de Goiás, Ronaldo Caiado, o que mais combate Lula – desde 1989, quando se enfrentaram na volta das eleições ao Palácio do Planalto e ambos perderam para Fernando Collor.
A desfaçatez é tamanha que compensa repetir a cara de pau: siglas e federação de partidos que têm concorrentes ao Executivo federal mantêm cargos no governo… federal. Por isso, não deveria ser manchete quando Lula demite os filiados dessas agremiações, pois o escândalo está na situação híbrida de colocar os pés em quatro canoas. Poder, poder, poder – necessariamente nessa ordem.
Como seria em Goiás a situação federal
Como a de Lula no âmbito nacional, a equipe de Ronaldo Caiado é composta por integrantes de diversos partidos, mas ninguém nem sonha em derrubar um projeto do governo na Assembleia e continuar com secretarias no Estado. O estilo de atuação difere bastante, e Caiado vai ter de se acostumar caso chegue à Presidência da República. No Estado, nenhum partido indicou filho de cacique para o time, como é frequente em Brasília: estão no ministério de Lula herdeiros do clã Barbalho, do Pará; dos Calheiros, de Alagoas; dos Costa, de Pernambuco. Na lista de nomeados, é grande a quantidade de sobrenomes famosos.
Em Goiás, o máximo que acontece é o PP ter dois irmãos nA 1ª prateleira, Alexandre Baldy presidente da Agência de Habitação (Agehab) e Joel de Sant’Anna Braga Filho secretário de Indústria, Comércio e Serviços. Só que o caso goiano não guarda semelhança com o federal: Joelzinho é indicação do casal Ronaldo/Gracinha Caiado e Baldy entrou na quota dos candidatos ao Senado na chapa do governador em 2022 – Waldir Soares preside o Detran e Vilmar Rocha preferiu indicar Francisco Jr. para o comando da Companhia de Desenvolvimento (Codego).
Certo, então, digamos que os auxiliares e seus padrinhos estejam apoiando para o Palácio Pedro Ludovico, sede do Governo Estadual, diversos nomes, menos o de Daniel Vilela, vice-governador e escolhido de Caiado – é só um esforço de retórica, nada que resulte em bafafá. Vilmar e Francisco, que são do PSD, estejam apoiando Vanderlan Cardoso; Joelzinho e Baldy pisam fortes com seu colega pepista Roberto Balestra; Delegado Waldir não abra mão de seu antecessor no cargo Marcos Roberto, o Marquim de Mozarlândia. Qual seria a chance de todos eles estarem desempregados no aniversário de Goiânia? Acertou aí quem disse que é maior que a probabilidade de acerto de exame de DNA.
Agora, junte tudo: além de apoiarem outros candidatos a governador, os partidos estão combatendo os projetos que Caiado envia à Assembleia. A possibilidade de isso acontecer é próxima de zero, mas para efeito de comparação com a rotina de Lula no Congresso diga-se que nenhum governador toleraria. Era ra-re-ri-ro-rua na edição seguinte do Diário Oficial, que sairia em tiragem extra na mesma data.
O ex-presidente Jair Bolsonaro passou dois anos sem dar a menor atenção às articulações dos partidos no Congresso Nacional. Por muito pouco não ocorreu uma catástrofe: já se falava em seu impeachment quando resolveu agir, abriu a equipe para o Centrão, que é o Poder Moderador da República, e colocou na Casa Civil o presidente do PP, o senador Ciro Nogueira (PI), o mesmo que agora lidera a federação União Progressista. Ciro foi aliado fidelíssimo de Fernando Henrique Cardoso, Lula, Dilma Rousseff, Michel Temer e Jair Bolsonaro, a quem tascou a pecha de fascista na mesma entrevista em que dizia não se ver votando contra Lula “por tudo o que ele fez”.
