Bruno Goulart
Na tentativa de recuperar espaço junto ao eleitorado evangélico, o PT lançou, no mês passado, o curso “Fé e Democracia para Militância Evangélica Brasileira”. A formação, organizada pela Fundação Perseu Abramo em parceria com o Grupo de Trabalho de Diálogo com Evangélicos, busca “fortalecer o diálogo entre a fé cristã e a democracia, valorizando a identidade evangélica de quem luta por justiça, direitos e igualdade”.
Contudo, o movimento é visto com ceticismo por lideranças evangélicas conservadoras. O deputado estadual Jefferson Rodrigues (Republicanos), que atuou como pastor por 30 anos, é categórico: “Não vai adiantar, pode fazer o que quiser. É a essência. É inegociável. Vai ser um desafio para Lula ver como vai agradar a comunidade evangélica”. Para o parlamentar, o problema vai além da comunicação. O rompimento se dá por valores morais, especialmente em temas como casamento homoafetivo e identidade de gênero — considerados contrários aos princípios bíblicos por boa parte das igrejas evangélicas.
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Na mesma linha, o ex-prefeito de Aparecida de Goiânia e membro da Assembleia de Deus Madureira, Gustavo Mendanha (MDB), reforça que a distância entre o governo e os evangélicos é profunda. “Eles são conservadores, mas não são bobos. O governo está na contramão: Deus, Pátria, Família… Até a agenda da primeira-dama e dos ministérios vai na contramão”, declarou. Mendanha criticou o que considera uma imposição de valores progressistas na educação: “Querem enfiar goela abaixo”.
Esforço compreensível
Apesar das críticas, especialistas avaliam ao O HOJE que o esforço do PT é compreensível diante da força crescente do segmento evangélico. O cientista político Pedro Célio aponta 2010 como marco do distanciamento entre o partido e as igrejas, especialmente após o acirramento do debate sobre o aborto.
Segundo Pedro Célio, a partir daquele ano houve uma articulação orgânica, que se intensificou com a ascensão de Jair Bolsonaro (PL) em 2018. “A questão evangélica entrou de vez no centro das decisões e das lutas políticas em nosso País”, afirma. Para o cientista político, o desafio do PT é resgatar a racionalidade política e reafirmar o caráter laico das instituições, sem ceder ao populismo religioso.
O especialista em marketing político Felipe Fulquim acrescenta que a estratégia do governo enfrenta uma realidade difícil de reverter. “A base evangélica é, em sua maioria, conservadora. Em alguns casos, conservadora radical. O PT flexibilizou muito seus princípios nos últimos anos. Entretanto, o imaginário alimenta a resistência ao comunismo e aos valores progressistas de partidos da esquerda.”
Fulquim reconhece que existem evangélicos progressistas, mas pondera que a tentativa de aproximação precisa ser cuidadosa. “Qualquer político que se preze deve flertar com esse setor, mas há uma insatisfação manifesta com a mistura entre religião e poder — especialmente quando a fé é usada como ferramenta eleitoral”, pontua.
Desafios de Lula
Além dos desafios ideológicos, os dados do Censo 2022 escancaram o tamanho da barreira enfrentada por Lula junto ao eleitorado evangélico. Com 26,9% da população, os evangélicos já superam um quarto dos brasileiros e, na última eleição, votaram majoritariamente em Jair Bolsonaro. Nos 14 Estados onde esse grupo religioso é mais numeroso que a média nacional, Lula venceu em apenas três. O contraste é ainda mais evidente nas cidades mais evangélicas do País: das 50 com maior proporção de fiéis, o petista saiu vitorioso em apenas 11.
Internamente, há quem reconheça que a estratégia pode gerar incômodo até mesmo entre setores da esquerda. Para parte da militância, a tentativa de disputar espaço com igrejas é contraditória com a defesa histórica da laicidade. No entanto, para Fulquim e Célio, o ponto central não está no curso em si, mas na consistência política que o acompanha.