Há exatos 20 anos, uma entrevista bombástica à Folha de S.Paulo escancarava um esquema de corrupção que abalaria os alicerces da política nacional e marcaria o primeiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) – o Mensalão. O então deputado Roberto Jefferson, presidente do PTB, denunciava a existência de “mensalidades” — repasses mensais a parlamentares da base aliada em troca de apoio no Congresso Nacional.
A expressão, que se tornaria sinônimo de escândalo, foi usada por Jefferson para acusar o tesoureiro do PT, Delúbio Soares, de coordenar os pagamentos. Mas as suspeitas já pairavam sobre Brasília: semanas antes, a revista Veja revelara um vídeo em que um diretor dos Correios negociava propina. O episódio gerou a instalação da CPMI dos Correios e abriu caminho para uma avalanche de denúncias.
No centro do esquema, estavam figuras como José Dirceu, então ministro da Casa Civil; Marcos Valério, publicitário apontado como operador financeiro; e dirigentes do PT, como José Genoino e Silvio Pereira. As revelações culminaram na demissão de Dirceu e em uma série de renúncias e afastamentos.
Leia mais: 20 anos do Mensalão: PT perdeu apoio e virou símbolo da corrupção, diz analista
O caso teve momentos que entraram para o folclore político, como o “dólar na cueca”: a prisão de um assessor do PT com US$ 100 mil escondidos na roupa íntima. A crise arrastou partidos aliados, como o PL e o PP, e provocou a cassação de mandatos, incluindo o do próprio Jefferson, em setembro de 2005.
No auge da crise, Lula fez um pronunciamento em rede nacional, dizendo-se indignado com os fatos e pedindo desculpas à população: “O PT tem que pedir desculpas. O governo, onde errou, tem que pedir desculpas”.
Em 2006, o então procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, denunciou 40 pessoas ao Supremo Tribunal Federal, classificando-as como integrantes de uma organização criminosa dividida em núcleos político, publicitário e financeiro. Nascia o apelido “os 40 do mensalão”.
A Ação Penal 470, como ficou conhecido o processo no STF, teve início em 2007. Após 53 sessões de julgamento, o Supremo condenou 24 acusados por crimes como corrupção ativa e passiva, lavagem de dinheiro e peculato. Marcos Valério recebeu a pena mais severa: 40 anos de prisão e multa milionária.
Apesar de parte das sentenças ser revista posteriormente, o julgamento foi um divisor de águas. Pela primeira vez, a cúpula do poder político nacional foi responsabilizada penalmente por corrupção sistêmica. O mensalão inaugurou uma nova fase da justiça brasileira — com efeitos que ainda ecoam, inclusive no processo da Lava Jato anos depois.
Duas décadas depois, o caso permanece como um marco: não apenas pela gravidade dos crimes, mas também por expor os bastidores da política e o custo, muitas vezes oculto, da governabilidade.