Bruno Goulart
Nunca se discutiu tanto a fé dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). O tema, que antes era periférico, ganhou espaço nas análises políticas e nas decisões presidenciais. O favoritismo do advogado-geral da União, Jorge Messias, para a vaga aberta com a saída de Luís Roberto Barroso, reacendeu a atenção sobre o tema. Evangélico, Messias é visto por aliados do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) como alguém capaz de representar uma parcela crescente da população — a mesma que foi cortejada por Jair Bolsonaro (PL) ao indicar André Mendonça, o “terrivelmente evangélico”, em 2021.
Na ocasião, Mendonça foi saudado por parlamentares da bancada evangélica e pela então primeira-dama, Michelle Bolsonaro, que chegou a orar em línguas durante a celebração da aprovação no Senado. O gesto simbolizou a entrada definitiva do fator religioso nas disputas institucionais do país. Agora, a fé volta ao centro do debate com a possibilidade de Messias se tornar o segundo ministro evangélico da Corte, ao lado de Mendonça.
Atualmente, o Supremo mantém uma composição majoritariamente católica. Dos nove ministros em exercício, sete se declaram católicos (ainda que não praticantes), um é judeu e apenas um, evangélico. Apesar disso, a presença da religião nas falas e nos votos tem se tornado mais visível. Citações bíblicas, invocações de fé e até expressões de religiosidade pessoal aparecem com frequência crescente nas sessões televisionadas.
Com exposição dada por TVs, ministros do STF se tornaram mais públicos
“A partir dos anos 1990, com o surgimento das TVs institucionais, como TV Justiça e TV Senado, os ministros se tornaram figuras públicas, e as pessoas passaram a querer saber o que eles pensam sobre religião, futebol, política”, explica Zancopé ao O HOJE. Foto: Divulgação/ Rafael Campos Gov RJ e Marcelo Camargo ABr.
Para o mestre em História e especialista em políticas públicas Tiago Zancopé, essa mudança é inseparável da exposição pública que o Judiciário passou a ter. “A partir dos anos 1990, com o surgimento das TVs institucionais, como TV Justiça e TV Senado, o Judiciário começou a produzir imagens. Os ministros se tornaram figuras públicas, e as pessoas passaram a querer saber o que eles pensam sobre religião, futebol, política”, explicou ao O HOJE.
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Zancopé observa que o interesse social pela fé dos magistrados reflete também a transformação demográfica do país. “Quando o Brasil tinha maioria católica, essa discussão não existia. Hoje, com o equilíbrio entre católicos e evangélicos, é natural que se pergunte qual é a religião de um ministro”, pontuou.
Contudo, ele alerta que essa curiosidade não deve se tornar critério de seleção. “O Estado é laico. Isso quer dizer que ele permite toda e qualquer manifestação religiosa, mas não pode se pautar por elas. O que deveria guiar uma indicação ao STF é o notório saber jurídico, não a fé pessoal do candidato”, afirmou. Segundo Zancopé, o debate público sobre religião se intensifica porque a visibilidade do Supremo também cresceu, e a sociedade passou a personalizar seus ministros como celebridades.
Ideologização da política acomete STF
A politização das nomeações também é um fator central nesse processo. De acordo com o cientista político Lehninger Mota, a partir de 2016 o Brasil vive uma “ideologização da política” que contaminou até os critérios para o STF. “As disputas sempre foram intensas, mas, desde o impeachment de Dilma Rousseff, a política passou a ser mais polarizada. Questões que antes eram técnicas ou jurídicas começaram a ser vistas sob o prisma ideológico”, disse o pesquisador.
Mota lembra que pautas sensíveis — como aborto, descriminalização das drogas e direitos das minorias — migraram para o Supremo, enquanto o Congresso evitava enfrentá-las. “Esses temas são caros para os grupos conservadores, que veem na composição do STF uma chance de frear avanços que consideram ameaçadores. Por isso, o perfil ideológico e até religioso dos ministros passou a ser debatido pela população, não apenas pela classe política”, explicou.
Segundo ele, essa mudança fez com que a nomeação de ministros se tornasse um “evento nacional”, acompanhado com atenção e disputado por grupos de poder. “Antes, era um assunto restrito ao meio político. Hoje, qualquer cidadão comenta quem será o próximo ministro”. (Especial para O HOJE)










