Bruno Goulart
A manifestação convocada por aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) nesta terça-feira (7), em Brasília, para pedir anistia aos condenados pelos atos de 8 de janeiro de 2023 mostrou mais do que ruas vazias. Evidenciou o esvaziamento simbólico de uma direita que, até pouco tempo atrás, conseguia reunir multidões em torno de suas pautas. O ato, liderado pelo pastor Silas Malafaia e com a presença dos filhos do ex-presidente, teve início na Catedral Metropolitana e seguiu até a Praça dos Três Poderes.
Apesar da presença de figuras conhecidas — como a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro (PL), que chorou durante o evento, e políticos como Flávio Bolsonaro (PL-RJ), Gustavo Gayer (PL-GO) e o senador Wilder Morais (PL-GO) —, o público ficou muito abaixo do esperado. O cenário contrasta com o que se viu nos anos anteriores, quando bastava uma convocação para as ruas ficarem cheias de pessoas com as cores verde e amarelo, bandeiras do Brasil, de Israel e dos Estados Unidos.
Segundo o mestre em História e especialista em Políticas Públicas, professor Tiago Zancopé, o problema central da direita hoje é a falta de rumo. “A direita brasileira entendeu que a mobilização permanente seria o melhor caminho. Só que, quando você vai para a estratégia de uma mobilização permanente, você precisa ter um objetivo muito claro”, explicou. Para Zancopé, sem essa clareza, “você cria uma frustração muito grande e a pessoa para de ir”. Além disso, avalia que parte do público bolsonarista continua a ir aos atos “por tabela”, sem acreditar que a pauta possa gerar resultado real.
A crise de identidade se agrava, segundo o historiador, porque a aproximação recente entre Lula (PT) e Donald Trump — algo impensável até pouco tempo — mudou a percepção de parte da base bolsonarista. “Me parece que parte desse pessoal está vendo que a estratégia do Eduardo Bolsonaro nos Estados Unidos não foi benéfica para o Brasil. E as pessoas começam a olhar: se o próprio líder americano está falando que gostou do Lula, será que a gente não tem que dar um pouco de credibilidade para o nosso presidente?”, avalia Zancopé.
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A leitura do historiador é de que Lula sai fortalecido dessa mudança de cenário. “Ele fez uma ligação com Donald Trump, a ligação reverberou não só aqui no Brasil como nos Estados Unidos. Tudo aquilo que foi pensado como estratégia para enfraquecer o governo Lula fez foi fortalecer o presidente.”
Para Zancopé, essa transformação também tem um impacto prático no comportamento do eleitor de direita. “O cara olha e pensa: vou gritar por anistia ou vou agradecer o governo por tirar o desconto do meu salário com a isenção do imposto de renda? Parece que há temas mais urgentes do que essa pauta”, pondera.
Bolsonarismo confuso
A análise da advogada internacionalista Melissa Borges vai na mesma direção. Para Melissa, a aproximação entre Lula e Trump criou confusão dentro da base bolsonarista, que esperava uma rejeição mútua entre os dois líderes. “Os bolsonaristas estão confusos por conta dessa aproximação Trump-Lula, haja vista que Trump, depois do discurso do Lula na ONU, que foi bem decisivo. Ao invés de ter aquele esperado ódio, teve o efeito reverso: ele se abriu à conversa”, explicou.
Melissa analisa o diálogo entre os dois, que durou cerca de 30 minutos e envolveu altos escalões dos dois governos. “Trump delegou ao secretário de Estado Marco Rubio, que sempre foi o mais ferrenho contra os governos de esquerda da América Latina, para prosseguir com as tratativas com Geraldo Alckmin e com o Itamaraty.”
“Novo equilíbrio global”
A advogada lembra que essa mudança também reflete o novo equilíbrio econômico global. “O Brasil teve uma balança comercial vitoriosa em agosto. Isso mexeu muito com a credibilidade de Marco Rubio, porque a imposição das tarifas no Brasil não deu a Trump o poder de barganha prometido. Pelo contrário, teve resistência interna, principalmente dos fazendeiros americanos”, analisa.
Melissa destaca ainda que a China ampliou o espaço do Brasil no mercado internacional, especialmente com a redução da compra de sódio dos Estados Unidos. “Isso fez Trump perceber que o Brasil tem outros parceiros. E talvez por isso ele tenha decidido ouvir Lula com mais atenção”, observa. (Especial para O HOJE)