Bruno Goulart
Enquanto bilhões são distribuídos em negociações silenciosas no Congresso, o Supremo intervém, a PF bate à porta de gabinetes — como na Operação Overclean, na Bahia — e o governo tenta, sem sucesso, cobrar um “pedágio” sobre os repasses. O modelo atual de emendas não apenas concentra poder, mas também alimenta a desconfiança: segundo pesquisa Genial/Quaest, 82% dos brasileiros já associam emendas à corrupção. A pergunta que fica é: por quanto tempo mais o jogo continuará a ser jogado com as cartas marcadas?
Não à toa, o debate tem ganhado fôlego nas redes sociais, impulsionado por campanhas que opõem os “ricos que fazem leis” aos “pobres que pagam impostos”. A insatisfação popular vem se somar a um histórico de abusos e à falta de transparência no uso das emendas, cujo volume cresceu R$ 173 bilhões em apenas dez anos. Para especialistas, o problema não está apenas no montante, mas na ausência de critérios claros, controle rigoroso e equilíbrio na distribuição.
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O estrategista político Marcos Marinho destaca ao O HOJE que o instrumento das emendas é legítimo, mas foi distorcido ao longo do tempo por um Congresso que passou a usar o orçamento como moeda de troca política. “A lógica é até positiva, pois aproxima o recurso público da base social. Mas virou uma ferramenta de compra de apoio. O Executivo passou a negociar com o Congresso com a faca no pescoço. E sem transparência, o sistema degringolou”, afirma.
Marinho aponta ainda que o processo é desigual, o que favorece partidos e lideranças específicas, e que não há perspectivas reais de mudança: “A dinâmica de poder não será alterada, até porque o preço político é alto demais para o Executivo, o Judiciário e os próprios parlamentares”.
Projeto pessoal
O historiador e especialista em políticas públicas Tiago Zancopé também vê entraves profundos para uma reformulação. “É muito difícil convencer parlamentares a abrir mão de um espaço conquistado. Para muitos, a emenda virou ferramenta de projeto pessoal de poder, não de política pública”, diz.
Segundo Zancopé, o Brasil caminha para um “semipresidencialismo orçamentário”, onde o Legislativo assume o controle da execução financeira, o que inverte a lógica institucional. “O excesso virou regra, não exceção. Há uma apropriação do orçamento por parte dos congressistas que precisa ser corrigida com regulamentação firme.”
Já o especialista em marketing político Luiz Carlos Fernandes destaca o desequilíbrio de forças entre os poderes e os riscos à democracia. “Hoje, as emendas parlamentares sequestram quase um terço do orçamento da União. São mais de R$ 50 bilhões — valor superior ao orçamento de muitos ministérios como Saúde e Educação. Isso é muito grave. O Congresso tem o bônus de executar sem o ônus da responsabilidade”, afirma.
Fernandes ainda lembra que o modelo atual cria uma barreira de entrada para novos nomes na política, o que favorece reeleições e mantém o controle de recursos nas mãos dos mesmos grupos. “Com tanto dinheiro concentrado, pouca transparência e quase nenhum controle, o Legislativo domina os recursos eleitorais com pouca conexão com a vontade popular. Isso mina a renovação política e fortalece práticas viciadas.”
Medidas para mais transparência
A tentativa do governo Lula de cobrar 1% de taxa sobre as chamadas “emendas PIX” — transferidas diretamente a Estados e municípios sem exigência prévia de prestação de contas — é uma reação à desorganização institucional que se instalou. A cobrança deve gerar R$ 73 milhões em 2025 e será usada para aprimorar a plataforma Transferegov.br, segundo o Ministério da Gestão. A medida, no entanto, gerou novo atrito entre o Executivo e o Congresso, que já reagiu negativamente à proposta.
Além disso, a decisão do STF de tornar as emendas rastreáveis e exigir prestação de contas continua a ser descumprida em grande parte. Relatório recente aponta que seis em cada dez documentos apresentados por municípios não informam com clareza como o dinheiro será usado.
O cenário se agrava com operações como a Overclean, que revelou o uso de emendas para fraudar licitações e desviar recursos públicos na Bahia. Foram bloqueados R$ 85,7 milhões e cumpridos 18 mandados de busca e apreensão em seis cidades, incluindo Brasília. Embora o deputado Elmar Nascimento (UB-BA) tenha negado envolvimento direto, seus aliados e familiares estão entre os investigados.
Diante de tamanha pressão institucional e do descrédito público, o futuro das emendas parlamentares parece incerto. Se por um lado o Congresso resiste em ceder poder, por outro o Executivo tenta impor regras mínimas de controle e o Judiciário pressiona por maior transparência. Para os especialistas, é improvável que mudanças profundas ocorram até 2026. (Especial para O Hoje)
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