As crises entre Executivo e Legislativo tornaram-se recorrentes nos últimos anos da política brasileira. O poderio financeiro do Congresso Nacional — que, cada vez mais, consome grande fatia do Orçamento da União com as emendas parlamentares — fortaleceu o capital político dos parlamentares e aumentou o poder de barganha dos deputados e senadores. Na prática, o Executivo brasileiro tem tido dificuldades de governar com a atual força política do Legislativo — mesmo em uma governança de coalizão. A pujança atual dos congressistas levanta o debate sobre o semipresidencialismo no País.
O ministro decano do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, afirmou recentemente que o tema é discussão frequente no Fórum de Lisboa — evento que reúne a cúpula dos Poderes e do empresariado brasileiro, conhecido como ‘Gilmarpalooza’ por ter o ministro como um dos fundadores. “Há algum tempo, no Fórum de Lisboa, nós temos discutido se não seria melhor para o Brasil se [o País] caminhasse para um semipresidencialismo, diante do vulto do poder que o Congresso tem assumido”, disse o magistrado em conversa com a imprensa na última quinta-feira (3), em Portugal.
O ministro afirmou que o País vive um “modelo singular” em sua configuração política presente e mencionou as emendas parlamentares como parte importante de como funciona o sistema político brasileiro atual. Gilmar ainda citou que o Brasil deixou de ser um governo de coalizão. “Alguém tem brincado que nós produzimos agora um presidencialismo de colisão. Porque acaba gerando muitos conflitos […] Em verdade, nós estamos vivendo, talvez, um governo Executivo minoritário. Diante dos poderes que têm o Congresso Nacional, se não se constrói consenso, nós temos, de vez em quando, um cenário de graves impasses”, ressaltou o decano.
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“Brasil já vive uma situação de semipresidencialismo”
Para o professor aposentado da Universidade Federal de Goiás (UFG) e doutor em ciência política pela Universidade de São Paulo (USP), Francisco Itami Campos, o Brasil já vive numa situação de semipresidencialismo. “O Congresso assumiu uma posição de governo, que interfere e, de certa forma, colocou o governo Lula marginalizado — com uma série de problemas para conseguir qualquer aprovação de questões no Congresso”, disse Itami.
O especialista destacou que o atual Congresso, além de “muito fracionado”, possui muitos “interesses não públicos”. “É um Congresso viciado, num certo sentido. Com uma série de visões e interesses centrados fora da questão pública”, ressaltou Itami. O cientista político explicou que, em sua visão, o sistema atual é “forjado por interesses da direita, da extrema-direita e do centrão”.
Já o sociólogo João Coelho entende que os poderes “ainda estão divididos”. “O Congresso ampliou seu poder econômico, mas não significa que haja uma alteração na configuração para um semipresidencialismo. Embora para a composição da presidência da Câmara e Senado ainda tenhamos que eleger por maioria, os poderes ainda estão divididos, cabendo ao governo conseguir ampliar sua base para obter vitórias em suas proposições”, destacou o sociólogo.
Coelho ressaltou que os impasses atuais possuem outra motivação: a disputa eleitoral de 2026. “O Congresso não quer reduzir gastos, ao mesmo tempo não quer que o governo amplie impostos dos mais ricos. Isso cria uma camisa de força que pode enfraquecer o governo e consequentemente, o nome do presidente Lula na disputa eleitoral”, disse.
A discussão em torno do semipresidencialismo é defendida por alguns caciques da política brasileira, como, por exemplo, o ex-presidente Michel Temer (MDB) e sempre ganha novos contornos quando há crises entre os Poderes. Por enquanto, as tratativas para o Brasil tornar-se semipresidencial são apenas especulações — resultado da força política que o Congresso Nacional exerce atualmente. (Especial para O Hoje)
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