Bruno Goulart
Pela primeira vez em mais de 60 anos, o crescimento da população evangélica no Brasil perdeu ritmo. Segundo o Censo 2022 do IBGE, embora o número de fiéis tenha crescido 5,2 pontos percentuais entre 2010 e 2022, o avanço ficou abaixo dos 6,5 pontos registrados na década anterior. A desaceleração reacende o debate sobre o futuro do segmento — que hoje representa cerca de 31% dos brasileiros — e revela uma disputa narrativa dentro e fora dos templos: afinal, os evangélicos vão parar de crescer? Há espaço para pluralidade política entre os fiéis? Ao O HOJE, a vereadora Aava Santiago (PSDB) e o ex-prefeito de Aparecida de Goiânia, Gustavo Mendanha (PSD), analisaram o fenômeno sob óticas divergentes.
Para Aava, que é evangélica da Assembleia de Deus e conhecida por sua atuação em pautas sociais, o crescimento mais lento pode ser explicado pelo esvaziamento teológico de certas vertentes. “O boom de igrejas independentes, como a teologia neopentecostal, inflou o número de evangélicos, que não foi acompanhado de consistência teológica e de firmeza comunitária.”
Fé “fast food”
Igrejas que adotam uma teologia “fast food”, segundo Aava, funcionam como espaços onde se consome uma mensagem religiosa moldada para aliviar angústias momentâneas, sem exigir compromisso ou aprofundamento. A vereadora compara essa dinâmica à lógica do capitalismo, baseada no consumo rápido e descartável. Ao contrário disso, as igrejas tradicionais — como a Batista, a Presbiteriana e a Assembleia de Deus — priorizam o ensino bíblico e a construção de vínculos duradouros entre gerações. Para a vereadora, esse modelo de fé “pronta para consumo” pode até lotar templos, mas não sustenta comunidades sólidas ao longo do tempo.
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Gustavo Mendanha, por outro lado, vê outro cenário. “Não vejo desaceleração. Pelo contrário, o meio evangélico está cada vez mais forte e presente nos diversos espaços da sociedade”, disse. O ex-prefeito de Aparecida, também evangélico, defende que há um fortalecimento da presença evangélica nos poderes públicos, no Judiciário, na imprensa e no meio acadêmico. O protestantismo cresce porque está mais próximo da dor do cidadão”, afirmou.
Evangélicos mais politizados
O debate também passa pela crescente politização dos evangélicos. Se até os anos 1980 o grupo era visto como apolítico, hoje é um dos mais mobilizados eleitoralmente. Para Aava Santiago, isso exige reflexão: “É importante pontuar que não são só os evangélicos estão mais politizados. A sociedade brasileira está mais politizada, porque a gente faz um um olhar sempre da história recente, mas é muito importante frisar que este período que estamos vivendo agora é o maior período de um Brasil democrático”. A parlamentar critica a generalização que associa ser evangélico a ser bolsonarista. “O bolsonarismo, embora, seja mais histriônico, fale mais alto e pareça ser maioria, ele não é maioria dentro das igrejas. Bolsonaro usou tanto as igrejas e não entregou melhoria para a vida dos crentes, usou tanto a suposta defesa dos nossos valores e a vida dos crentes, de modo geral, piorou quando ele era presidente”, destaca.
Já Mendanha é direto ao rejeitar a ideia de evangélicos progressistas: “É como achar uma agulha no palheiro. Quem segue a Bíblia tem princípios claros”. Para o recém-filiado ao PSD, a tentativa do PT de dialogar com evangélicos não terá sucesso. “O PT é contrário àquilo que acreditamos. Dizer que é contra o aborto na eleição e depois promover políticas públicas favoráveis é incoerente. A comunidade evangélica está atenta”, afirmou. O ex-prefeito de Aparecida associa Lula e o PT a posições “antibíblicas” e reforça que, embora nem todos apoiem Bolsonaro integralmente, o ex-presidente representa melhor os valores cristãos: “Família, pátria, defesa de Israel — isso nos representa mais”.
A vereadora Aava evita avaliar diretamente a estratégia do PT, mas lembra que o partido surgiu com forte base cristã. “O PT nasceu das comunidades eclesiais de base. Benedita da Silva e Marina Silva, ambas evangélicas, são figuras centrais do partido. Não é de hoje que há diálogo com evangélicos. O que há são diferentes formas de construir essa conversa”, ponderou. Aava também rejeita a rotulação política: “Nunca me coloquei como de esquerda. Sou do PSDB. Mas os valores que defendo me colocam em trincheiras contra a opressão, porque o evangelho exige isso”.
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