O grande atributo do Supremo Tribunal Federal é guardar a Constituição da República. Como o texto da maior lei do País é interpretado pelos diversos envolvidos nos litígios, cabe aos ministros a última palavra do que é ou não constitucional. O julgamento de Jair Bolsonaro e de sete de seus antigos auxiliares fez surgir uma leva de penalistas, constitucionalistas e processualistas formados na University of WhatsApp. Os ligados a Bolsonaro discordam de tudo o que o STF decide e os lulistas aplaudem a proximidade de o ex-presidente ser preso. Mas os juristas de aplicativo precisam saber de algumas lições óbvias, principalmente algumas esquecidas pelo guardião.
Como O HOJE tem divulgado ao longo dos dias no jornal impresso e no ohoje.com, as duas principais condutas de que se acusa Bolsonaro e aliados são as previstas no capítulo “Dos crimes contra as instituições democráticas”, abolição violenta do estado democrático de direito (artigo 359-L) e golpe de estado (359-M). Mas o artigo abandonado, inclusive durante as sessões da 1ª Turma do STF, é o 17 do Código Penal, que trata do crime impossível:
“Não se pune a tentativa quando, por ineficácia absoluta do meio ou por absoluta impropriedade do objeto, é impossível consumar-se o crime”.
Traduzindo: para haver até a tentativa, é necessário que seja possível cometer o delito. Era impossível dar um golpe de estado ou abolir violentamente o estado democrático de direito com aqueles velhinhos, vendedores de algodão, moradores de rua e cabeleireira que escreve com batom em estátua. Que eficácia haveria com essa turma, armada apenas de feiura, derrubando um presidente da República?
Artigo 359-L
O artigo 359-L define o que é abolição violenta: tentar, com emprego de violência ou grave ameaça, abolir o Estado Democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais. Aqueles manifestantes tentaram violentamente algo? Não possuíam meios para isso. Mesmo se quisessem ser violentos, não teriam como. Com grave ameaça a que ou a quem, já que o presidente Lula estava em São Paulo, os ministros do Supremo cada qual em sua casa, deputados e senadores visitando as bases. Já não tem autoridade em Brasília em dias normais, iria ter num domingo de recesso no Judiciário e no Legislativo?
Artigo 359-M
Aplicar golpe de estado, segundo o artigo 359-M, é tentar depor, por meio de violência ou grave ameaça, o governo legitimamente constituído. Quem ali fez isso? Que hora o governo legitimamente eleito foi ameaçado gravemente, já que não havia nem a quem ameaçar ou contra quem praticar violência? Quais armamentos e exércitos eles tinha para depor o governo?
Os 8 odiados pela esquerda, cujo julgamento continua hoje, seriam os mandantes dos crimes, inclusive dos dois aqui discutidos. Os chamados autores intelectuais. Encontraram algum documento com Jair Bolsonaro e seus sete auxiliares mandando alguém cometer crime que realmente foi cometido? Autores intelectuais de folha de papel? Parece frase da Dilma porque a Lei de Segurança Nacional, de onde saiu esse artigo de redação horrorosa, existia para não ser entendida mesmo e passou ao Código Penal com o mesmo propósito.
As penas são de reclusão para ambos os delitos, ou seja, os condenados pela prática deles terão de começar a cumprir a pena dia e noite dentro da cadeia. O tamanho da pena varia, 4 a 8 anos para a abolição do estado democrático e 4 a 12 para o golpe.
Nem se tentou dar golpe ou abolir Estado
Não ocorreu, na Praça dos Três Poderes, nada que se pode chamar de abolição nem de golpe. Pois é, mas não basta tentar? Até para a tentativa há conceito. Existe algo chamado caminho do crime, que os militantes da área chamam no latim, iter criminis. Esse caminho tem quatro etapas, a cogitação, a preparação, a execução e a consumação.
Cogitar é imaginar, querer, falar a alguém, supor que dá certo. Preparar é fazer uma planilha, organizar, escrever num papel, ligar para eventuais parceiros.
Até aí, nada aconteceu. É o que se chama de atos preparatórios. Não há punição para eles, até porque quem os comete ainda nada cometeu, não fez nada, não agiu.
A execução é partir para os finalmentes. Dar o tiro se quer matar. Juntar 50 divisões de blindados. Levar para o local atiradores de mísseis e os mísseis a ser atirados. Quem daqueles esfarrapados fez isso? Ninguém. Crime impossível.
Houve delitos, mas não os dois aqui citados. Houve danos ao patrimônio da União. Houve danos. Houve zorra total. Houve bagunça. Então, prendam e condenem os que cometeram a bagunça. Mas dar um golpe de estado ou abolir o estado democrático de direito é muito diferente.
Todos do 8/1 vão ser indenizados pela União
A anistia aos envolvidos no 8 de janeiro de 2023, como autores intelectuais ou executores, virá mais cedo (ainda neste ano, como pretendem os bolsonaristas) ou após mudanças na composição do Supremo Tribunal Federal (que vai demorar). Atualmente, com apoio da maior parte da imprensa e do Palácio do Planalto, foram suprimidos princípios seculares e até milenares do Direito. Por isso, algum dia, as vítimas das condenações atuais serão indenizadas pela União.
O princípio do juiz natural, tão velho quanto os alpes, foi atropelado pelo primeiro que aparecer num inquérito e avocá-lo para si.
O princípio do duplo grau de jurisdição, fundamental numa democracia, está fulminado. É aquele que dá a chance de o condenado numa instância recorrer às demais. Se a pessoa já começa é indiciada pelo Supremo, em investigação do Supremo, denúncia do Supremo e condenação do Supremo vai recorrer a quem?
São tantos os vícios, as aberrações, os atentados à doutrina, à jurisprudência e aos textos legais que muitos livros surgirão para tentar explicar essa noite em que o constitucionalismo entrou em 2018 e ainda não há luz nem no fim do túmulo – opa!, do túnel.
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