Bruno Goulart
O Brasil deve adotar uma reação formal à investida protecionista do governo de Donald Trump. Na última quarta-feira (9), o presidente norte-americano anunciou uma tarifa de 50% sobre todos os produtos brasileiros, decisão que passa a valer em 1º de agosto. Em resposta, o governo Lula (PT) vai regulamentar a Lei de Reciprocidade Econômica, sancionada em abril deste ano e aprovada pelo Congresso com amplo apoio.
O decreto, que formaliza a aplicação da norma, deve ser publicado até terça-feira (15), conforme anunciou o vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), Geraldo Alckmin, neste domingo (13), durante a inauguração do Novo Viaduto de Francisco Morato, em São Paulo.
“Esta lei [de reciprocidade] precisa ser regulamentada. A regulamentação, que é por decreto, deve estar saindo amanhã ou terça-feira. Agora, o governo vai trabalhar no sentido de reverter essa taxação, porque entendemos que ela é inadequada, que não se justifica, além de recorrer à Organização Mundial do Comércio (OMC)”, afirmou Alckmin.
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A Lei da Reciprocidade Econômica estabelece mecanismos para que o Brasil imponha contramedidas proporcionais sempre que países ou blocos econômicos adotarem restrições unilaterais que prejudiquem a competitividade internacional brasileira. Isso significa que o País poderá suspender concessões comerciais, rever isenções tributárias ou até restringir direitos de propriedade intelectual de empresas americanas.
A sanção dessa lei, em abril, foi interpretada por analistas como um recado preventivo a Washington, já que Trump, em seu segundo mandato, retomou políticas agressivas no comércio exterior. Durante sua primeira passagem pela Casa Branca, o republicano já havia imposto tarifas de 25% sobre aço e alumínio brasileiros. Agora, decide dobrar a aposta com um tarifaço que atingirá desde commodities agrícolas até produtos industrializados.
Segundo Alckmin, apesar do histórico de mais de 200 anos de relações comerciais e diplomáticas entre Brasil e Estados Unidos, o país sul-americano não aceitará passivamente medidas que prejudiquem setores estratégicos.
“O Brasil é o terceiro maior comprador do carvão siderúrgico dos Estados Unidos. Faz o aço semiplano e vende para os Estados Unidos, que faz o aço plano, faz o motor, faz o automóvel. Então, há uma integração produtiva. Nós temos 200 anos de amizade com os Estados Unidos. Mas o mundo econômico precisa de estabilidade e previsibilidade. Nós vamos trabalhar para reverter”, frisou.
Lula, por sua vez, reforçou em entrevistas que o governo já acionou sua assessoria jurídica e diplomática para buscar uma solução na OMC. O presidente também defendeu a formação de uma frente multilateral, que deve reunir outros países afetados por medidas protecionistas de Trump.
“A gente pode cobrar coerência dos Estados Unidos em relação à aplicação de taxas sobre produtos de outros países. Podemos, com a OMC, encontrar países que foram taxados pelos Estados Unidos e, juntos, entrar com recursos. Se nada disso der resultado, vamos acionar a Lei da Reciprocidade”, declarou.
Entenda sua aplicação
De acordo com a norma, a reciprocidade pode ser aplicada de três formas principais. A primeira é a retaliação tarifária direta, com a imposição de tarifas equivalentes sobre produtos americanos, especialmente aqueles que tenham peso político relevante nos Estados Unidos, como o agronegócio e bens de alta tecnologia.
A segunda possibilidade é a revisão de acordos bilaterais, o que permite que o governo brasileiro suspenda isenções comerciais, reavalie benefícios tributários ou limite a cooperação logística e consular com Washington. Por fim, a terceira frente envolve ações multilaterais, nas quais o Brasil pode recorrer à Organização Mundial do Comércio para buscar respaldo jurídico e apoio político de outros países.
O decreto deverá detalhar os produtos que entrarão na lista de retaliação e os percentuais que incidirão sobre cada item. Internamente, a equipe econômica trabalha com a hipótese de mirar bens importados dos Estados Unidos com maior valor agregado, de forma a minimizar o impacto sobre a indústria brasileira e, ao mesmo tempo, pressionar lobbies empresariais norte-americanos que têm influência no Congresso dos EUA.
Apenas 1,7% do PIB brasileiro
Apesar da dimensão do comércio bilateral, autoridades brasileiras avaliam que a dependência é limitada. Nas palavras de Lula, o intercâmbio entre Brasil e EUA representa apenas 1,7% do Produto Interno Bruto nacional, o que dá margem para buscar alternativas comerciais caso Washington mantenha a medida.
“O comércio entre o Brasil e os Estados Unidos representa apenas 1,7% do nosso PIB. Não é essa coisa que a gente não pode sobreviver sem os Estados Unidos. Não é assim”, disse o presidente.
Para setores empresariais brasileiros, a escalada das tensões representa um risco, sobretudo para cadeias produtivas integradas, como siderurgia e agronegócio. Ainda assim, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) e entidades agrícolas sinalizaram apoio ao governo na defesa de retaliações proporcionais por considerar que a nova tarifa de 50% compromete contratos e investimentos de longo prazo.
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