Bruno Goulart
O julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) no Supremo Tribunal Federal (STF), que começa nesta terça-feira (2), promete ser um divisor de águas não apenas para a trajetória pessoal do ex-chefe do Executivo, mas também para o futuro do Partido Liberal (PL). Com a expectativa de condenação por tentativa de golpe, cresce no partido a percepção de que Bolsonaro, já isolado pela prisão domiciliar, caminha para um afastamento ainda maior do centro das decisões políticas. Nesse vácuo de liderança, Valdemar Costa Neto, dirigente nacional da sigla, deve reassumir com força as rédeas da legenda.
Contudo, a equação não é simples. A ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro vem articulando, por conta própria, em estados e tende a dividir o protagonismo com Valdemar. Afinal, até agora, Bolsonaro foi quem ditou os rumos do partido. Sem ele, a lógica de comando deve mudar.
Um dos erros que a cúpula do PL não pretende repetir é o de 2024. A proibição judicial de contato direto entre Valdemar e Bolsonaro atrasou a definição de candidaturas, enfraquecendo alianças e resultando em desempenho aquém do esperado nas prefeituras. Agora, a ideia é centralizar as negociações para 2026, com Valdemar priorizando diálogo com governadores e lideranças regionais.
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No entanto, os nós permanecem em estados decisivos. Em São Paulo, a provável desistência de Eduardo Bolsonaro em disputar o Senado abre espaço para novos nomes, mas aumenta a disputa interna. A relação com o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) é delicada: se ele confirmar candidatura à Presidência, o PL terá de reorganizar palanques.
Já no Rio de Janeiro, a equação também é complexa. O governador Cláudio Castro (PL) surge como opção natural ao Senado, mas Bolsonaro indicava preferência por uma chapa encabeçada por Sóstenes Cavalcante, com participação de Flávio Bolsonaro. A definição, mais uma vez, ficará sob as mãos de Valdemar.
Além disso, Michelle Bolsonaro tenta construir sua própria rede de influência, sobretudo no Norte e no Nordeste. Na Paraíba, ela trabalha para apoiar Efraim Filho (União) ao governo, enquanto em Goiás o cenário depende da costura entre Wilder Morais (PL), Daniel Vilela (MDB) e Ronaldo Caiado (União). O próprio governador de Goiás chegou a defender, publicamente, que este “não seria o momento” de Wilder se lançar ao governo. A ideia de Caiado é que Wilder recue em favor de uma aliança com o grupo caiadista, deixando para 2030 a expectativa de protagonismo do PL no estado.
Bolsonaros ameaçam deixar PL
Mas a maior turbulência vem de dentro da própria família Bolsonaro. Eduardo, em entrevista ao portal Metrópoles, ameaçou deixar o PL caso Tarcísio migre para a legenda. O deputado se queixou de um processo de “apagamento” dos Bolsonaros e afirmou que, caso o governador de São Paulo seja eleito presidente, dificilmente a família teria espaço em seu governo. “Qual é o secretário bolsonarista no governo Tarcísio? Não tem. Mas tem pessoas ligadas ao PSOL”, disparou.
Valdemar, por sua vez, ensaia equilibrismo. Em um dia, defendeu que Bolsonaro ou alguém indicado por ele seria o candidato natural à Presidência. Em outro, admitiu que Tarcísio pode se filiar ao PL caso dispute o Planalto. O discurso reflete as incertezas: sem Bolsonaro ativo, quem ocupará o espaço de liderança incontestável na direita?
A condenação do ex-presidente deve acelerar essa resposta. Até agora, o PL cresceu como a principal força eleitoral do país sob a sombra do bolsonarismo. Sem ele no comando, a legenda pode ganhar autonomia para negociar, mas também corre o risco de mergulhar em disputas internas. Michelle, Valdemar, Eduardo e Tarcísio são hoje os protagonistas desse xadrez, mas nenhum deles tem, isoladamente, o peso que Jair Bolsonaro exercia.
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