Bruno Goulart
Depois de semanas de tensão e demissões, o governo federal inicia uma nova fase de recomposição política no Congresso. A ministra da Secretaria de Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann, retoma nesta semana as reuniões com líderes partidários para reorganizar o apoio parlamentar e medir até onde vai a lealdade de legendas que integram o arco governista — entre elas MDB, PSD, Podemos, PP, União Brasil e Republicanos. O movimento sinaliza um esforço para consolidar a base de sustentação e garantir votos em projetos estratégicos para o Palácio do Planalto, especialmente nas pautas econômicas e sociais.
De acordo com o mestre em História e especialista em políticas públicas Tiago Zancopé, o governo Lula vive um momento de reconstrução de forças. “A questão é saber se partidos mais à centro-direita, como PP, União Brasil e parte do MDB, vão querer embarcar num governo que está indo mais à esquerda”, avalia.
Zancopé aponta que o comportamento das bancadas será testado em votações, como a taxação das bets e o fim da escala 6×1, medidas que traduzem a guinada social da gestão petista. “Essas pautas vão mostrar se o Centrão está disposto a seguir um governo mais aguerrido nas políticas sociais. A votação do 6×1 será um divisor de águas”, afirma.
Moeda de troca e recado político do governo
Após a derrubada da MP 1.303 — que alteraria a cobrança do IOF —, o Planalto iniciou uma retaliação silenciosa, ao exonerar indicados do Centrão e rever o repasse de emendas. Segundo Zancopé, o gesto teve um caráter pedagógico. “Penalizar os infiéis é algo pedagógico frente ao Legislativo. O Executivo depende dessa coalizão para governar, mas também precisa mostrar que não se pode trair sem consequência”, explica.
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Para o analista, a estratégia de Lula combina autoridade política com cálculo eleitoral. “O governo aprendeu que, ao entregar cargos e emendas, precisa exigir retorno. Quando o deputado não cumpre, o Planalto tem duas opções: fingir que não viu ou retaliar. E o governo agora optou pela segunda”, afirma.
Segundo Zancopé, a conjuntura favorece essa postura mais firme. “Lula está num momento de popularidade alta, com boa posição política e já mirando 2026. É o político que mais disputou e venceu eleições presidenciais no Brasil. Se chegar ao fim desse ciclo, terá governado o País por 16 anos — número até superior ao de Getúlio Vargas [15 anos no poder]”, observa.
Cálculo dos parlamentares
Com a força política de Lula e o vácuo de liderança na oposição, Zancopé aponta que muitos deputados de centro-direita repensam o custo de confrontar o governo. “O parlamentar precisa se perguntar: vale a pena votar contra um governo tão forte enquanto a oposição ainda busca um nome competitivo? Talvez seja mais estratégico apoiar o Planalto e participar da construção das pautas”, pondera.
Esse movimento, segundo o analista, ajuda a transformar a relação entre Executivo e Legislativo. “O deputado deixa de lado uma infidelidade momentânea, muitas vezes ideológica, para aderir a um projeto que tenta se consolidar como de Estado, não apenas de governo. É um cálculo político e de sobrevivência”, explica.
“Pode ser que, nessa recomposição, o governo perca parte do PP e do União Brasil, que têm resistência a uma pauta social mais enérgica. Mas MDB, PSD, Republicanos e Podemos devem permanecer, porque já transitam melhor nesse campo de centro-esquerda”, avalia Zancopé.
O especialista ainda aposta que o novo ciclo lulista deve ser marcado por uma ênfase social semelhante à do Lula de 1989. “Não vejo mais a defesa da democracia como bandeira central, como foi em 2022. Agora, o discurso tende a ser mais voltado para a taxação de super-ricos, aumento do gasto público em educação e saúde e valorização do trabalho”, projeta. (Especial para O HOJE)










