Dados do Atlas da Violência 2025, divulgado em maio pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) em parceria com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, revelam um cenário alarmante: em 2023, a cada hora, 13 crianças e adolescentes de até 19 anos foram vítimas de algum tipo de violência no País seja física, psicológica, sexual ou por negligência. Ao todo, foram registrados 115.384 casos, o que representa um aumento de 36,2% em relação ao ano anterior.
Já a Ouvidoria do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (Mdhc) também apontou um crescimento preocupante nas denúncias: em 2024, quase 290 mil relatos de crimes contra crianças e adolescentes foram registrados, um aumento de 22,6%.
O dia 13 de julho marca a criação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e é uma data simbólica que convida à reflexão. Diante dos números crescentes de violência, a sociedade precisa repensar suas responsabilidades na proteção e garantia dos direitos da infância e juventude.
Em Goiás, os números do primeiro quadrimestre de 2025 revelam um cenário alarmante: entre janeiro e abril, foram registrados 793 casos de estupro de vulnerável, além de 458 notificações de maus-tratos e 162 de importunação sexual envolvendo crianças e adolescentes. Isso significa quase 200 casos por mês, com uma frequência horrível de cerca de seis vítimas por dia.
O advogado criminalista Gabriel Fonseca reconhece a importância do ECA, mas alerta para os obstáculos na sua efetiva aplicação. “O ECA em si é bem completo. Ele visa o bem-estar da criança e do adolescente, colocando-os como prioridade na sociedade”, afirma. No entanto, segundo ele, o problema está na realidade enfrentada por quem precisa acessar esses direitos.
“A grande dificuldade está na falta de atenção adequada aos casos envolvendo menores. Isso ocorre tanto pelo despreparo de alguns profissionais quanto pelo baixo efetivo do Estado e pela ausência de estrutura pública suficiente para atender quem realmente precisa”, pontua Fonseca.
O especialista lista os principais crimes cometidos contra crianças e adolescentes no Brasil: “Abuso sexual, maus-tratos, negligência, tráfico de crianças e adolescentes e trabalho infantil”. Ele reforça que há diversos canais de denúncia disponíveis para esses casos. “As pessoas podem recorrer ao Disque 100, à Polícia Civil, ao Conselho Tutelar, ao Ministério Público e à assistência social”, orienta.
Gabriel também destaca a importância do acompanhamento jurídico. “É fundamental procurar um advogado de confiança para acompanhar o caso e garantir que os direitos da criança sejam efetivamente respeitados”, conclui.
A advogada Karolina Tonello, especialista em ECA, vê com preocupação os números do levantamento, que apontou a ocorrência de 13 casos de violência contra crianças e adolescentes por hora no Brasil. Para ela, a estatística representa muito mais do que um número: “É, antes de tudo, um grito de alerta. Revela, com crueza, o abismo que ainda separa a teoria da prática na proteção da infância e da juventude em nosso País”, afirma.
Apesar de o Brasil contar com políticas públicas e um arcabouço jurídico considerado avançado, em especial o ECA, Tonello critica a baixa efetividade da rede de proteção. “O Estatuto estabelece uma atuação integrada entre Conselho Tutelar, Ministério Público, Judiciário, escolas, saúde e assistência social. Mas o que vemos na prática é uma desarticulação entre esses atores, falta de recursos e ausência de prioridade orçamentária para a infância”, aponta.
Mesmo com um estatuto considerado modelo no plano internacional, o Brasil segue registrando altos índices de negligência, maus-tratos e abuso contra menores. Segundo Karolina, o gargalo está na execução das políticas. “A fragilidade dos mecanismos de implementação é o maior problema. Conselhos tutelares operam com recursos escassos, faltam equipes multidisciplinares, e ainda há ausência de políticas públicas intersetoriais eficazes”, analisa. “Além disso, a morosidade do sistema de Justiça e a naturalização da violência em muitos contextos familiares e comunitários perpetuam esse ciclo de violações.”
A advogada ainda ressalta as dificuldades enfrentadas pelas vítimas ao denunciar abusos. “Do momento da queixa até a responsabilização do agressor, o caminho é longo e tortuoso. Faltam canais acessíveis, especialmente nas regiões mais vulneráveis. As vítimas são revitimizadas, há poucas medidas protetivas efetivas, e a lentidão da Justiça, somada à impunidade, compromete a credibilidade do sistema”, conclui.
Prevenção da violência contra crianças começa na escola e no lar
Para conter a escalada de violência contra crianças e adolescentes, ações preventivas nas escolas e nas famílias são fundamentais, segundo Karolina. Para ela, a proteção se inicia com educação, escuta ativa e vínculos afetivos fortalecidos.
No ambiente escolar, ela defende a criação de espaços onde os estudantes possam se sentir seguros e ouvidos. “É essencial implementar programas permanentes de educação em direitos humanos, cidadania e autocuidado, além de rodas de conversa que possibilitem o reconhecimento de sinais de violência e incentivem a denúncia”, explica.
Tonello também ressalta a necessidade de formação continuada para professores e profissionais da educação. “Esses profissionais estão na linha de frente e precisam ser capacitados para identificar sinais precoces de abuso, negligência ou maus-tratos”, afirma.
Em casa, a especialista aponta a parentalidade positiva como estratégia central. Ela defende campanhas educativas para conscientizar pais e responsáveis sobre a importância do diálogo e da escuta. “É urgente romper com a cultura da violência como método educativo e promover o acolhimento das denúncias feitas pelas próprias crianças.”
Tonello acredita que o aumento das denúncias revela, em parte, um avanço: “Mostra que a sociedade e as vítimas estão mais conscientes de seus direitos e dos canais de denúncia.” Mas alerta: “Também pode refletir o agravamento real da violência, impulsionado por fatores como crise econômica, desigualdade, desestruturação familiar e consumo abusivo de álcool e drogas.”
Para ela, o desafio é coletivo: “O Estado precisa assumir o dever de fortalecer as políticas públicas voltadas à prevenção e à proteção integral da infância. E a sociedade precisa se engajar. O silêncio diante da violência não pode mais ser opção.”
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