O comércio varejista brasileiro encerrou agosto com um leve respiro. Segundo a Pesquisa Mensal de Comércio (PMC), divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o volume de vendas no setor cresceu 0,2% em relação a julho, interrompendo uma sequência de quatro meses consecutivos de retração. O resultado, embora modesto, foi suficiente para indicar uma estabilização no ritmo de desaceleração do consumo.
No acumulado de 2025, o varejo apresenta alta de 1,6%, e no período de 12 meses, o avanço chega a 2,2%, o menor desde janeiro de 2024. A variação positiva veio acompanhada de desempenho desigual entre os segmentos, refletindo os efeitos de um cenário econômico ainda pressionado por juros elevados e crédito restrito.
Entre os oito grupos pesquisados, cinco registraram crescimento: equipamentos e material para escritório, informática e comunicação (4,9%); tecidos, vestuário e calçados (1,0%); artigos farmacêuticos, médicos, ortopédicos e de perfumaria (0,7%); móveis e eletrodomésticos (0,4%); e hiper e supermercados, produtos alimentícios, bebidas e fumo (0,4%). Em contrapartida, apresentaram queda livros, jornais e papelaria (-2,1%), combustíveis e lubrificantes (-0,6%) e outros artigos de uso pessoal e doméstico (-0,5%).
De acordo com o gerente da pesquisa, Cristiano Santos, o desempenho de agosto mostra que o varejo “mantém uma base alta de sustentação, com pequenas oscilações nos últimos meses”. Segundo ele, “as variações próximas de zero, tanto positivas quanto negativas, indicam estabilidade após um período de leve queda. O que muda agora é que a diferença em relação ao pico de março deixou de aumentar”.
Crédito caro ainda limita retomada
A melhora nas vendas não significa, contudo, uma recuperação plena. Economistas apontam que a alta dos juros, com a taxa Selic mantida em 15%, segue restringindo o crédito ao consumidor, especialmente em segmentos sensíveis como móveis, eletrodomésticos e veículos.
Para Claudia Moreno, economista do C6 Bank, o resultado de agosto mostra “um avanço pontual, mas insuficiente para caracterizar uma retomada consistente”. Ela destaca que “os dados mais recentes indicam perda de fôlego do varejo ao longo do ano, principalmente entre os setores mais dependentes de financiamento”.
Moreno projeta que o varejo ampliado — que inclui veículos, motos, material de construção e atacado de alimentos — deve encerrar 2025 praticamente estável em relação ao ano anterior. “O crescimento acumulado tende a ficar próximo de zero, depois de uma expansão de 3,7% em 2024. Isso reforça nossa expectativa de que a economia brasileira crescerá menos este ano, afetada por juros altos e consumo contido”, avalia.
Varejo ampliado também reage
O varejo ampliado registrou alta de 0,9% em agosto, na comparação com julho, puxado pelo avanço de 2,3% nas vendas de veículos e motos, partes e peças. O segmento de material de construção ficou praticamente estável, com leve variação de 0,1%. Em relação a agosto de 2024, porém, o índice caiu 2,1%, completando três meses consecutivos de retração.
Apesar do desempenho positivo no mês, os analistas apontam que o cenário de consumo permanece heterogêneo. Igor Cadilhac, economista do PicPay, observa que “os setores mais ligados à renda das famílias continuam mostrando resiliência, mas o impulso recente veio dos segmentos dependentes de crédito, como os de bens duráveis”. Ele ressalta que a política de redução de impostos sobre carros zero quilômetro pode ter contribuído para essa melhora.
“Olhando à frente, a tendência é de desaceleração no ritmo de expansão do comércio, com o fim de estímulos de crédito e os efeitos ainda presentes da inflação. Mesmo assim, a massa salarial elevada e o mercado de trabalho aquecido devem continuar sustentando o consumo das famílias”, afirma Cadilhac. Ele projeta crescimento de 2% para o varejo em 2025.
Cinco dos oito segmentos pesquisados cresceram, com destaque para informática (+4,9%) e vestuário (+1%)
Segmentos que puxaram o crescimento
O principal destaque foi o setor de equipamentos de informática e comunicação, com alta expressiva de 4,9%, influenciada pela desvalorização do dólar em agosto, que reduziu o custo de importados e favoreceu promoções. Também cresceram os segmentos de vestuário (+1,0%), farmacêuticos e perfumaria (+0,7%) e móveis e eletrodomésticos (+0,4%), este último com o segundo mês seguido de alta após uma sequência negativa.
O desempenho positivo dos supermercados (+0,4%) também chamou atenção, sendo a primeira alta desde março. Segundo analistas, o avanço foi sustentado pelo aumento da renda disponível e pelo pagamento de precatórios e benefícios sociais no meio do ano.
Já entre os setores em retração, o destaque negativo ficou por conta de livros, jornais e papelaria (-2,1%), segmento que segue em queda desde 2024 devido à migração para o consumo digital.
Cautela com o cenário futuro
Para o economista Maykon Douglas, o resultado de agosto deve ser interpretado com cautela. “Há uma composição mais equilibrada dos setores, mas ainda observamos desaceleração em relação ao início do ano. A parte mais sensível ao crédito subiu pelo segundo mês consecutivo, mas acumula queda anual de 2,5%”, explica.
Douglas avalia que a política monetária restritiva ainda deve frear o ritmo de recuperação do varejo nos próximos meses. “Mesmo com o impulso pontual de agosto, o consumo das famílias tende a permanecer moderado enquanto os juros continuarem altos. Ainda assim, a resiliência do mercado de trabalho pode evitar uma queda mais acentuada.”
Expectativa moderada até o fim do ano
Com o crescimento mensal de 0,2%, o setor mostra sinais de estabilização, mas longe de uma retomada robusta. Especialistas esperam que o desempenho do varejo no último trimestre dependa de fatores como a política de crédito, a inflação e as vendas de fim de ano.
Em um cenário de juros elevados, o consumo tende a se concentrar em bens essenciais e categorias de menor valor. “Mesmo que o PIB avance cerca de 2% em 2025, o crescimento do comércio será contido. A melhora mais visível deve vir apenas com cortes consistentes na taxa Selic”, projeta Claudia Moreno.
Para o IBGE, os resultados de agosto refletem “um ajuste natural após meses de oscilação”, com o setor encontrando um novo ponto de equilíbrio. Ainda que modesto, o avanço sinaliza que o varejo brasileiro pode estar prestes a encerrar o ano com estabilidade — o que, diante das restrições de crédito, já é visto como uma vitória.