Em uma decisão histórica, o Supremo Tribunal Federal (STF) estabeleceu critérios objetivos para que planos de saúde sejam obrigados a cobrir tratamentos não incluídos no rol de procedimentos da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). A medida representa um novo marco regulatório na saúde suplementar brasileira, com impactos profundos na atuação dos hospitais, operadoras e no Judiciário.
A Corte definiu que a cobertura obrigatória de tratamentos fora do rol da ANS dependerá do cumprimento cumulativo dos seguintes critérios: indicação médica fundamentada para o tratamento; ausência de substituto terapêutico listado no rol da ANS; comprovação científica da eficácia do tratamento; recomendações de órgãos técnicos nacionais e internacionais reconhecidos e registro do tratamento ou medicamento na Anvisa.
Para o advogado Gustavo Clemente, especialista em Direito Médico e da Saúde, a decisão do STF inaugura um novo paradigma de segurança jurídica e responsabilidade para os hospitais. Segundo ele, o principal cuidado jurídico que as instituições devem adotar é a produção robusta de prova documental que comprove o cumprimento dos cinco critérios estabelecidos. O hospital, como prestador do serviço, passa a ocupar uma posição estratégica na cadeia de autorização e, consequentemente, na mitigação de riscos e negativas de pagamento por parte das operadoras.
Clemente destaca que a documentação médica precisa ser exaustiva. “O prontuário e o relatório médico não podem se limitar à simples prescrição do tratamento. É necessário que o médico assistente justifique tecnicamente a escolha terapêutica, com ênfase na ineficácia ou inadequação das alternativas presentes no rol da ANS para o caso clínico específico.
A equipe administrativa do hospital deve implementar um checklist de conformidade baseado nos cinco critérios do STF antes de solicitar a autorização à operadora. Isso inclui, por exemplo, verificar no site da ANS se o procedimento não foi expressamente negado ou se há processo de análise em andamento, anexar evidências científicas como artigos, estudos e diretrizes de sociedades médicas internacionais que comprovem eficácia e segurança, e confirmar o registro do tratamento ou medicamento na Anvisa”, explica o advogado.
Outro ponto essencial é a comunicação formal com a operadora. De acordo com o especialista, toda a documentação comprobatória deve ser enviada de forma estruturada junto ao pedido de autorização, criando um dossiê administrativo que será crucial em uma eventual disputa judicial ou administrativa.
O advogado recomenda que os hospitais adotem um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) específico para essas situações, informando ao paciente e/ou responsável que o tratamento não consta no rol da ANS, que a autorização depende do cumprimento de critérios técnicos e que, em caso de negativa da operadora, pode haver necessidade de judicialização.
“Caso a operadora negue a cobertura, o hospital terá em mãos um conjunto probatório sólido para apoiar o paciente em uma ação judicial e, principalmente, para garantir seu próprio recebimento futuro. Nesse sentido, a decisão do STF transforma o papel do hospital de mero prestador para agente estratégico e facilitador, com responsabilidades ampliadas na organização da prova, na gestão de risco e na desjudicialização”, enfatiza Clemente.
Sobre os impactos na judicialização da saúde suplementar, o advogado ainda avalia que a decisão tem potencial tanto para reduzir quanto para aumentar o volume de ações judiciais, dependendo do horizonte de tempo considerado. “No curto prazo, é possível que haja um aumento de processos, especialmente para discutir a interpretação dos critérios, como o da comprovação científica de eficácia e segurança.
Operadoras podem questionar a robustez das evidências apresentadas, gerando uma nova onda de litígios focados em definir o que constitui prova científica suficiente. A judicialização tende a migrar da pergunta “o rol é taxativo?” para “este tratamento cumpre os cinco critérios?”. Já no médio e longo prazo, a previsibilidade trazida pelos critérios objetivos pode desestimular negativas infundadas e facilitar autorizações administrativas, reduzindo o volume de litígios e promovendo maior segurança jurídica”, afirma.
Além das implicações jurídicas, Clemente ressalta que a decisão impõe desafios operacionais e abre oportunidades estratégicas para os hospitais. “A implementação de novos fluxos de trabalho internos será essencial, envolvendo o corpo clínico, a equipe de enfermagem, a auditoria de contas e o setor de faturamento. É fundamental treinar os médicos para que compreendam a importância de relatórios mais detalhados e baseados em evidências, e capacitar a equipe administrativa para que saiba como e onde buscar as informações necessárias”, conclui.
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