O mercado automotivo brasileiro vive uma transformação. Com os preços dos carros novos atingindo patamares cada vez mais elevados — o modelo mais barato custa, em média, R$ 75 mil — os veículos seminovos e usados passaram a ser a principal alternativa para quem busca trocar de carro sem comprometer o orçamento.
Esse movimento se reflete nos números. Apenas nos quatro primeiros meses de 2025, foram comercializados mais de 4,6 milhões de veículos seminovos e usados, número mais de cinco vezes superior ao volume de veículos novos vendidos no mesmo período. Só em abril, o setor de usados cresceu 10,7% em relação ao ano anterior, enquanto o segmento de zero quilômetro recuou 5,5% na comparação anual.
Custo-benefício impulsiona mercado de usados
O apelo financeiro é evidente. Segundo a plataforma Auto Avaliar, o preço médio de um carro usado atingiu R$ 87.107 em abril, quase 2% a mais que em março e o maior patamar desde o início da série histórica do PVU. Ainda assim, o valor é competitivo frente aos modelos zero, cujos preços subiram quase 8% só neste ano — três vezes mais que a inflação do período, de 2,48%.
“Hoje é possível adquirir um seminovo com baixa quilometragem e boa estrutura por 20% a 30% menos que o valor de um modelo novo equivalente”, afirma J. R. Caporal, CEO da Auto Avaliar. Um Fiat Mobi Like 0km, por exemplo, custa R$ 74.990, mas o mesmo modelo de 2024 sai por cerca de R$ 62.600, segundo levantamento da empresa. Um modelo 2023, por sua vez, pode ser encontrado por menos de R$ 59 mil — uma diferença de 21%.
Além do preço, Caporal destaca a diversidade de opções: “Na média de preços estão veículos com mais equipamentos, conforto e desempenho, o que amplia a atratividade.”
Tendência de longo prazo
Em 2024, o mercado de usados já havia batido recorde com mais de 15 milhões de unidades vendidas, alta de 9,2% sobre o ano anterior, de acordo com a Fenauto (Federação dos Revendedores de Veículos Usados). A entidade projeta novo crescimento de 5% em 2025, com expectativa de encerrar o ano com 16,6 milhões de carros vendidos nesse segmento.
O perfil do consumidor também mudou. A advogada Daniela de Almeida ilustra essa nova lógica de compra. “Começamos procurando um carro zero para minha filha, que tirou a carteira de motorista. Mas os preços estavam muito acima do que podíamos pagar. Encontramos um carro praticamente novo em uma concessionária e optamos pelo usado, por ser mais acessível e com garantia”, conta.
Juros ainda são desafio para financiamento
Mesmo com a demanda aquecida, o cenário do crédito continua pressionado. Em abril, os financiamentos de veículos caíram 7,2% na comparação anual, embora tenham subido 3% em relação a março. A taxa Selic elevada, mantida em 14,75%, e os juros médios de financiamento acima de 28% ao ano são fatores que afastam parte dos compradores.
Segundo a B3, que monitora os dados do setor, os financiamentos somaram 2,245 milhões de unidades de janeiro a abril, cerca de 25 mil a menos que no mesmo período de 2024.
Velhinhos lideram
Entre os usados mais vendidos estão os chamados “velhinhos” — veículos com mais de 13 anos de uso — seguidos pelos “usados jovens” (de 4 a 8 anos) e pelos seminovos (até 3 anos). Modelos como Fiat Uno, Palio, Gol e Honda Civic continuam entre os preferidos, sobretudo em estados como o Rio de Janeiro, segundo dados da OLX.
Para quem está de olho em um carro usado, Caporal recomenda cautela. “É fundamental verificar o histórico do automóvel, fazer test drive, consultar eventuais recalls e levar o veículo a um mecânico de confiança antes da compra.” Outro ponto importante, segundo ele, é considerar o valor de revenda: “Não é só o desejo de ter uma marca X que deve contar, mas também a aceitação do mercado.”
Zero-quilômetro ainda atrai — mas é exceção
Apesar do domínio dos seminovos, o mercado de veículos novos também mostra sinais de recuperação. A Anfavea registrou crescimento de 6,1% nas vendas de veículos novos entre janeiro e maio de 2025, com 986,1 mil unidades comercializadas. Em maio, o setor cresceu 8,1% frente ao mês anterior. No entanto, a produção caiu 5,9%, refletindo ajustes das montadoras diante do novo perfil de demanda.
Já os eletrificados continuam ganhando terreno, representando quase 10% das vendas em abril — avanço de 28,5% em relação ao mesmo mês de 2024.