A gestão da Maternidade Célia Câmara, em Goiânia, voltou ao centro das atenções após vir à tona o histórico do ex-presidente da organização social (OSC) responsável pela unidade, a Sociedade Beneficente São José (SBSJ).
Juliano Aparecido Fidelis, empresário e gestor hospitalar do interior de São Paulo, era ex-presidente e presidia a OSC que assumiu a maternidade por meio de contrato emergencial de R$ 15,3 milhões com a prefeitura de Goiânia, sob repasses mensais de cerca de R$ 5 milhões.
A escolha, feita pela atual administração municipal, levanta dúvidas sobre os critérios de avaliação e a verificação prévia de antecedentes, uma vez que apenas um mês antes da assinatura do contrato, Fidelis teve as contas rejeitadas pelo Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (TCE-SP), quando ainda comandava a Santa Casa de Misericórdia de Cerquilho.
Quem é o ex-presidente Juliano Fidelis
Natural do interior paulista, Juliano Aparecido Fidelis construiu sua trajetória na área hospitalar. Em Cerquilho, ele presidiu a Santa Casa de Misericórdia, que durante sua gestão foi alvo de auditorias e apontamentos do TCE-SP.
Entre os principais problemas identificados estão o uso de funcionários em funções alheias ao contrato, movimentações bancárias consideradas irregulares, despesas incompatíveis com o objeto do convênio firmado com o poder público, além da ausência de metas e relatórios técnicos que comprovassem a efetividade dos serviços prestados.
O documento também destacou a contratação de uma empresa ligada a um agente político local, o que levantou suspeitas sobre possíveis conflitos de interesse e fragilidades nos mecanismos de controle interno da instituição.
Como resultado, o TCE determinou a devolução de R$ 60,7 mil aos cofres públicos e reconheceu a irregularidade da prestação de contas de 2018. O MPC chegou a sugerir a restituição de R$ 122 mil, mas o valor final foi reduzido.
Na mesma época, Juliano ainda ocupava o cargo de chefe de gabinete da prefeitura de Cerquilho e chegou a disputar as eleições municipais de 2024 pelo MDB, ficando como segundo suplente a vereador.
Da rejeição à assinatura em Goiânia
Apesar do histórico recente e das recomendações do TCE paulista, o ex-presidente foi signatário do contrato de gestão da Maternidade Célia Câmara, firmado em agosto de 2025, apenas um mês após a decisão que rejeitou suas contas em São Paulo. O contrato foi celebrado em caráter emergencial pela Secretaria Municipal de Saúde (SMS), com duração de três meses, totalizando R$ 15,3 milhões.
A SBSJ substituiu a Fundação de Apoio ao Hospital das Clínicas (Fundahc), que geria a rede de maternidades da Capital há mais de uma década. A mudança ocorreu após desentendimentos entre a Fundahc e a atual gestão, que acusava a entidade de custos elevados e baixa eficiência. A fundação, por sua vez, alegava que o estrangulamento financeiro era resultado de repasses atrasados da própria prefeitura.
Mesmo diante do acórdão do TCE-SP, amplamente disponível em base pública, o prefeito Sandro Mabel e a SMS seguiram com o processo de contratação sem parecer público de reavaliação. A decisão sugere pressa em viabilizar a troca de gestão sem checagem aprofundada sobre a idoneidade da organização e de seus dirigentes.
Após a repercussão, o ex-presidente deixou o comando da SBSJ e foi substituído por Rubens Sinsei Tanabe. A SMS defendeu a legalidade da contratação, afirmando que o processo seguiu a Lei 13.019 e que não há impedimentos jurídicos para a parceria. A pasta disse ainda que o ex-presidente “nunca fez parte do quadro funcional da Maternidade Célia Câmara”.
Apesar disso, permanece a dúvida: como um gestor com contas rejeitadas por irregularidades financeiras pôde assinar um contrato milionário com o município apenas semanas depois?
O que diz a Procuradoria-Geral do Município
A reportagem questionou a Procuradoria-Geral do Município de Goiânia (PGM) sobre a participação do órgão na análise e aprovação do contrato emergencial com a SBSJ.
A procuradoria confirmou ter emitido parecer prévio antes da formalização dos Termos de Colaboração celebrados pela Secretaria Municipal de Saúde para a gestão das três maternidades públicas. Segundo o órgão, foram apresentadas certidões de regularidade fiscal, previdenciária, tributária e jurídica, e a PGM recomendou que todas fossem atualizadas antes da assinatura do contrato.
A PGM também informou que a verificação da capacidade técnica e da idoneidade da entidade cabia à SMS, antes da formalização do ajuste. O órgão ressaltou que a capacidade técnica “é um requisito a ser verificado antes da formalização do ajuste, condição que provavelmente foi observada pela área técnica”.
Sobre a rejeição das contas de Juliano Fidelis pelo TCE-SP, a procuradoria destacou que o fato, por si só, não gera nulidade automática do Termo de Colaboração, sendo necessária uma análise ampla sobre a atuação da entidade e a execução dos serviços prestados.
Por fim, a PGM afirmou que o contrato contém cláusulas de denúncia, rescisão e fiscalização, e que, caso sejam apresentados indícios de perda das condições de habilitação, os fiscais do contrato possuem meios jurídicos para promover a apuração de eventuais sanções.
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