A violência contra idosos, embora muitas vezes silenciosa, tem números que falam alto. E os dados de 2024 escancaram a urgência do problema. Quase 180 mil denúncias de violência contra pessoas idosas foram registradas no país apenas neste ano, por meio do Disque 100, serviço do Ministério dos Direitos Humanos. A informação reforça o alerta sobre a realidade enfrentada por milhares de brasileiros na terceira idade.
Para se ter ideia da dimensão do problema, um levantamento anterior, publicado no artigo “Denúncias de violência ao idoso no período de 2020 a 2023 na perspectiva Bioética” — elaborado por pesquisadoras da Universidade Federal Fluminense (UFF) e da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) — revelou que, em quatro anos, mais de 408 mil denúncias de violência contra idosos foram feitas em todo o país. Somente entre 2022 e 2023, o crescimento foi de 50 mil casos.
Os principais tipos de violência registrados incluem negligência, violência psicológica, abuso financeiro, além de agressões físicas e até abandono. Os números são apenas parte de uma realidade que, segundo especialistas, ainda esbarra na subnotificação e na falta de informação sobre canais de denúncia.
Situações contra idosos ocorrem, em sua maioria, dentro de casa
A convivência familiar, que deveria representar segurança, aparece como o principal cenário dessas agressões. De acordo com o advogado criminalista Gabriel Fonseca, os crimes contra idosos geralmente são praticados por pessoas próximas.
“Geralmente os atos de violência acontecem em decorrência de tentar obrigar o idoso a realizar alguma ação sem seu consentimento, principalmente quando se trata de dinheiro”, explica Fonseca. Ele reforça que não apenas os próprios idosos, mas também qualquer pessoa que presencie uma situação suspeita pode e deve denunciar.
O especialista cita alguns exemplos frequentes: “Apropriação indevida de cartões de crédito, uso do dinheiro do idoso sem permissão, ou mesmo pressioná-lo a alterar testamento ou vender bens. Tudo isso se enquadra como violência patrimonial ou financeira.”
O advogado orienta ainda sobre os caminhos possíveis para denunciar. “Todo tipo de crime contra o idoso deve ser denunciado. A vítima pode conversar com um advogado de confiança, procurar a Delegacia do Idoso ou registrar ocorrência em qualquer delegacia. É importante reunir provas, como fotos, vídeos ou testemunhas. Mas, mesmo sem isso, a denúncia deve ser feita”, destaca.
A convivência familiar, que deveria representar segurança, aparece como o principal cenário de agressões contra idosos
Diversos tipos de violência afetam o público idoso
As formas de violência contra pessoas idosas são variadas e, em muitos casos, passam despercebidas por quem está de fora. Algumas agressões não deixam marcas físicas, mas causam impactos profundos na saúde mental e emocional das vítimas. Entre os principais tipos de violência, estão:
Violência física: inclui lesões corporais e agressões como empurrões, beliscões ou tapas, mesmo que não deixem marcas visíveis;
Abandono: ocorre quando os idosos não recebem cuidados básicos de seus responsáveis, comprometendo sua saúde e bem-estar;
Abuso psicológico: envolve humilhações, ofensas, desprezo e outras formas de violência verbal que causam sofrimento emocional;
Violência patrimonial: refere-se à manipulação ou fraude de documentos, assinatura forçada, antecipação de herança ou venda de bens sem consentimento claro;
Violência financeira: acontece quando há uso indevido do dinheiro ou bens do idoso por parte de terceiros, geralmente familiares;
Discriminação: quando a pessoa idosa é alvo de atitudes preconceituosas por causa de sua idade, condição de saúde ou limitações físicas;
Violência sexual: também é uma forma de violência prevista em lei e, embora menos relatada, não deve ser ignorada.
Em todos esses casos, o canal Disque 100 está disponível para receber denúncias de forma anônima e gratuita, funcionando todos os dias da semana, inclusive feriados.
De acordo com Gabriel Fonseca, um dos maiores desafios é garantir que os casos deixem de ser ignorados ou tratados como “conflitos familiares”. “É fundamental que todos entendam que a violência contra o idoso é crime e deve ser tratada com a seriedade que exige. O silêncio só fortalece o agressor.”
A violência contra pessoas idosas é tipificada no Estatuto do Idoso (Lei 10.741/2003), que prevê punições que incluem multas e reclusão, a depender da gravidade e natureza da infração. O Estatuto garante ainda o direito à vida, à dignidade, à liberdade e ao respeito.
Além da legislação, especialistas reforçam que a prevenção começa com a informação e a conscientização. Saber identificar sinais de abuso, conhecer os canais de denúncia e compreender os direitos da pessoa idosa são passos fundamentais para enfrentar esse cenário.
O Disque 100 funciona como um canal de atendimento do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, recebendo denúncias de violações de direitos humanos, com atendimento gratuito, sigiloso e disponível 24 horas por dia. O serviço pode ser acessado por telefone, aplicativo ou pelo site da Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos.
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