Profissionais da saúde que atuam na rede pública estadual de Goiás denunciam precarização nas condições de trabalho, falta de pagamento de direitos trabalhistas e incertezas sobre o futuro. As críticas se intensificaram após o governo do estado suspender contratos com duas Organizações Sociais (OSs) — o Instituto de Gestão e Humanização (IGH) e a Organização Social de Saúde Hospital e Maternidade Therezinha de Jesus — responsáveis pela gestão de unidades hospitalares. Cerca de 1.200 trabalhadores foram diretamente prejudicados.
O tema foi debatido na última terça-feira (3), em audiência pública realizada na Assembleia Legislativa de Goiás (Alego), com forte participação de trabalhadores, sindicalistas e parlamentares. Na ocasião, uma carta assinada pelos profissionais foi lida pelo deputado estadual Mauro Rubem (PT), que defendeu intervenção do governo para garantir os direitos da categoria. “O governo de Goiás pode e deve interferir para manter nossas condições de trabalho. Queremos a nossa dignidade”, dizia o documento.
O deputado também ressaltou que a ausência de carteira assinada impede o acesso a direitos básicos, como férias, 13º salário, licença-maternidade e aposentadoria, empurrando profissionais para regimes de trabalho precarizados e sem segurança jurídica.
A procuradora do Ministério Público do Trabalho (MPT), Milena Cristina Costa, afirmou que a saída das OSs ocorreu de forma abrupta, deixando centenas de trabalhadores desamparados. “Foram contratos de cerca de 13 anos e quem está sem o pagamento dos direitos trabalhistas. São 1.200 trabalhadores que foram suspensos em maio, devido à troca de gestão, e até agora não têm qualquer informação sobre seus vencimentos”, destacou. A procuradora defende a criação de uma legislação específica em Goiás para garantir a regulação dos fundos rescisórios nas OSs, evitando que episódios como esse se repitam.
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Críticas ao modelo de gestão
A presidente do Sindicato dos Enfermeiros de Goiás (Sieg), Roberta Rios, reforçou que o problema não é pontual, mas recorrente no modelo de gestão por OSs. “Incontáveis vezes estivemos nesse processo. Isso mostra que esse modelo é falido, não tem nada de filantropia e nem de fundação social. Várias denúncias foram encaminhadas para o IGH, que nunca respondeu, pois fecharam as portas em Goiânia e sumiram”, afirmou.
Roberta ainda lembrou que, na última troca de OSs no Hospital de Urgências de Goiânia (Hugo) e no Hospital Estadual de Aparecida de Goiânia Caio Louzada (Heapa), já havia sido feito alerta sobre a necessidade de fiscalização do fundo rescisório. “A responsabilidade de fiscalização é do Estado. Estamos vivendo de calote em calote. IGH é tão bom que foi embora sem pagar e sem dar nenhuma explicação. Já notificamos o IGH, a Secretaria de Estado da Saúde e encaminhamos para o MPT para que tenhamos respostas e soluções. Esse é um calvário que estamos vivendo, infelizmente, com muita frequência”, disse.
Para Luzinéia Vieira dos Santos, presidente do Sindicato dos Trabalhadores da Saúde de Goiás (Sindsaúde), o problema está diretamente ligado ao modelo de gestão terceirizada. Ela afirma que o sindicato sempre foi contrário à entrega da administração de hospitais para OSs. “Nós temos acompanhado ao longo dos últimos 20 anos a atuação dessas organizações na gestão pública e observamos que isso tem sido fonte de desvio de recursos, pejotização e má gestão da maioria das unidades. Não resultou em melhoria no acesso dos usuários”, afirmou em entrevista exclusiva ao O HOJE.
Ela acrescenta que o modelo não fortalece o Sistema Único de Saúde (SUS), nem garante segurança aos trabalhadores. “Vemos trabalhadores desassistidos quando há suspensão de contratos ou saída de uma OS. O Estado se tornou refém desse modelo, porque não investe mais em concursos públicos e não assegura que os servidores possam atuar dentro do serviço público. A promessa era qualificar a assistência, melhorar o atendimento, mas o que tivemos foi mais gasto de dinheiro público sem a melhoria esperada”, declarou.
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Casos semelhantes em outros Estados
A situação enfrentada em Goiás também ocorre em outros estados. Em Minas Gerais, o Sindsaúde-MG acionou a Justiça e conseguiu impedir a contratação de uma OS para gerir o Hospital Cristiano Machado. A decisão levou a Fundação Hospitalar de Minas Gerais (Fhemig) a cancelar o edital, após denúncias de riscos à estabilidade dos profissionais e possíveis prejuízos na qualidade do serviço.
No Piauí, uma auditoria do Tribunal de Contas do Estado (TCE-PI) identificou falhas graves no funcionamento de unidades de saúde administradas por OSs, como sobrepreço, falta de transparência, má gestão e precarização do trabalho.
Diante desse cenário, os profissionais da saúde, sindicatos e entidades de fiscalização reforçam a necessidade de rever o modelo de gestão via OSs. Eles defendem a retomada da gestão direta pelo Estado, por meio de concurso público, além de regras claras para garantir os pagamentos de direitos trabalhistas em caso de rescisão de contrato. A criação de um fundo específico para assegurar as verbas rescisórias é apontada como medida urgente.
Até o fechamento desta edição, a Secretaria de Estado da Saúde (SES) e o governo de Goiás não se manifestaram sobre as denúncias e as reivindicações dos trabalhadores. (Especial para O Hoje)