Os dados recentes do Ministério da Saúde mostram: pela primeira vez em quase 20 anos, o número de fumantes no Brasil cresceu, passando de 9,3% em 2023 para 11,6% em 2024, um aumento de 25% em apenas um ano.
Wanderson Rocha, 32 anos, ajudante de obras em Goiânia, lembra com naturalidade o início de seu hábito de fumar. “Comecei aos 17 anos, sempre vi meu pai e meus tios fumando e achei legal. Sempre fumava escondido, mas após os 19, 20 anos, entendi que não tinha mais o que fazer e não tive medo”, conta.
Hoje, ele reconhece os impactos na sua saúde: “Me atrapalhou demais. Gosto de jogar futebol, mas não consigo correr muito sem me cansar rápido. Sei que é por conta do cigarro. Também meus dentes sofreram e ainda sofrem. Já tentei parar várias vezes, mas é automático: se eu fumo, tomo café; se bebo café, tenho que fumar”.
Paulo Ricardo Castro, estudante de Direito e soldador, tem uma história parecida. “Comecei a fumar com 16 anos, porque queria ser rebelde. Fumei por 10 anos, parei quando tive filhos e fiquei sete anos sem fumar. Mas voltei há dois anos. Às vezes é falta de vergonha na cara, às vezes é estresse, e preciso descontar em algum lugar. Já cheguei a fumar três carteiras em um dia”, relata.
Esses dados ilustram sobre esse crescimento e reacende os alertas sobre os riscos do tabagismo, especialmente entre os jovens, e levanta dúvidas sobre a influência dos novos produtos, como os cigarros eletrônicos.
Novas formas de fumar e os riscos à saúde do fumante
A Organização Mundial da Saúde (OMS) considera o tabagismo uma pandemia global, sendo a principal causa de morte evitável, responsável por aproximadamente 8 milhões de óbitos anuais.
A pneumologista Daniela Campos alerta que mais de 50 tipos de doenças podem ser causadas pelo cigarro, incluindo problemas cardiovasculares, respiratórios e cerca de 10 tipos de cânceres. Além disso, fumantes passivos também sofrem riscos significativos, como o câncer de pulmão e doenças crônicas.
A pneumologista destaca que o aumento do consumo entre jovens representa um retrocesso nas políticas públicas. “É uma situação muito triste, um ganho para a indústria do tabaco, já que nas últimas duas décadas tínhamos vencido com ambiente antifumo e outras medidas. Isso indica perda da efetividade das políticas públicas e enfraquecimento da percepção de risco, refletindo mudança de comportamento, especialmente entre os jovens, que usam novas formas de consumo que mascaram o perigo de vício, como cigarros eletrônicos, balas de nicotina e adesivos.”
Ela alerta que, apesar da ideia de serem menos prejudiciais, os dispositivos eletrônicos liberam nicotina e dezenas de substâncias tóxicas, incluindo metais pesados e compostos cancerígenos.
“Podem causar bronquite, enfisema, asma, EVALI, uma lesão alveolar difusa, AVC, infarto e danos ao cérebro. Além disso, a quantidade de nicotina consumida muitas vezes é maior do que em um cigarro tradicional, porque não há controle de quantos dispositivos são usados”, detalha.
Tabagismo avança em Goiás e cresce entre jovens com cigarros eletrônicos
Divulgação/Ministério da Saúde
Em Goiás, o cenário não é diferente. Segundo o Vigitel 2022, a frequência de fumantes no Estado foi de 13,1%, acima da média nacional de 9%. A macrorregião Sudoeste registrou a maior prevalência, com 16,4% da população adulta fumante, sendo 21,1% homens e 11,4% mulheres. Já os jovens de 18 a 24 anos apresentaram 14,6% de frequência de fumantes, evidenciando a preocupação com as novas gerações.
O uso de aparelhos eletrônicos para fumar ou vaporizar atingiu 4,6% da população adulta, chegando a 16% entre os jovens de 18 a 24 anos. Esses números indicam uma forte relação entre o consumo de novas formas de tabaco e o aumento da dependência da nicotina.
Além disso, 7,8% dos adultos são fumantes passivos no domicílio, e 11,9% no local de trabalho. A presença de fumantes passivos preocupa porque reforça a exposição involuntária aos riscos do tabagismo. Entre aqueles com maior escolaridade, observa-se uma redução na frequência de fumantes e fumantes passivos, indicando que educação e conscientização ainda desempenham papel crucial na prevenção.
O levantamento da Secretaria de Estado da Saúde de Goiás (SES-GO) envolveu mais de cinco mil adultos, entrevistados por telefone entre janeiro e abril de 2023. Ele faz parte do primeiro inquérito de fatores de risco e proteção para doenças crônicas não transmissíveis do Estado, com periodicidade bienal, similar ao modelo do Ministério da Saúde. Mais de 1,13 milhão de pessoas são hipertensas, e 57,3% se declaram acima do peso, reforçando a necessidade de políticas integradas de saúde pública.
Segundo Campos, o marketing agressivo dos dispositivos eletrônicos contribui significativamente para o aumento do tabagismo. “O vape tem aparência moderna, tecnológica e transmite a falsa ideia de ser inofensivo. O acesso pela internet facilita, e os sabores – baunilha, chocolate, frutas – atraem adolescentes, inclusive menores de 13 anos”, alerta.
Os especialistas destacam que o retorno do tabagismo não se restringe aos eletrônicos. Mudanças culturais e hábitos familiares, como no caso de Wanderson, e fatores psicológicos, como estresse e comportamento rebelde, como em Ricardo, também influenciam. A dependência química, intensificada pelo uso precoce e constante da nicotina, cria um ciclo difícil de quebrar.
Entre as doenças mais comuns associadas ao tabagismo em fumantes e não fumantes, estão a DPOC, bronquite crônica, enfisema, câncer de pulmão, asma, infecções respiratórias recorrentes, além de complicações cardiovasculares e vasculares.
“Os efeitos do tabaco começam desde o início do consumo, tanto em eletrônicos quanto em cigarros convencionais. Os danos são cumulativos e irreversíveis”, afirma a pneumologista.
A combinação de fatores como produtos modernos, marketing, hábito cultural e dependência química, evidencia um desafio crescente para a saúde pública. A prevenção, educação e políticas rigorosas de fiscalização permanecem essenciais para frear essa nova onda de fumantes no Brasil.
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