Uma mudança significativa na legislação previdenciária brasileira promete transformar a vida de milhares de famílias. A Lei nº 15.108/2025, sancionada em março deste ano, alterou o artigo 16 da Lei nº 8.213/1991 e ampliou o rol de dependentes com direito à pensão por morte do Instituto Nacional do Seguro Social– INSS. Com a medida, avós, padrastos e tios podem deixar pensão para netos, enteados e sobrinhos, desde que comprovada a dependência econômica e haja guarda judicial formal.
A alteração corrige lacunas deixadas desde a Reforma da Previdência de 2019, quando menores sob guarda foram excluídos da lista de dependentes previdenciários. Com a nova redação, a legislação reconhece oficialmente vínculos familiares que vão além da relação biológica, o que reforça a importância da convivência intergeracional e da solidariedade.
Na prática, famílias chefiadas por avós, tios ou padrastos passam a ter direito a amparo previdenciário em caso de falecimento do provedor, para oferecer segurança financeira a crianças e adolescentes que muitas vezes vivem em situações de vulnerabilidade.
Segundo especialistas, a lei também incentiva o reconhecimento formal das responsabilidades familiares, ao garantir que crianças que dependem de parentes próximos não fiquem desassistidas. Para muitos jovens, essa mudança representa a diferença entre ter uma fonte de sustento garantida ou enfrentar dificuldades financeiras e riscos sociais.
Com a lei, prova de guarda e dependência passa a ser obrigatória
Para ter direito à pensão, é essencial comprovar a dependência econômica do beneficiário em relação ao segurado falecido. De acordo com o advogado previdenciário Luis Gustavo Nicoli, “a lei exige decisão judicial formal de guarda e provas concretas de que o menor era sustentado pelo segurado”. “Isso pode ser demonstrado por meio de recibos, contas conjuntas, comprovantes escolares, gastos com alimentação e saúde ou declaração de imposto de renda.”
Diferentemente do passado, quando bastava uma simples declaração de dependência, o novo texto exige documentação sólida. “O INSS vai analisar cada caso individualmente. O objetivo é garantir que apenas quem realmente dependia do segurado tenha direito à pensão. Em situações de dúvida, o processo pode ser judicializado”, acrescenta Nicoli.
O benefício é garantido até os 21 anos, salvo se o dependente for inválido ou tiver deficiência. Além disso, é obrigatório que a guarda judicial tenha sido concedida antes do falecimento do segurado, o que evita pedidos baseados apenas em vínculos afetivos informais.
Os pedidos podem ser feitos diretamente pelo aplicativo Meu INSS ou presencialmente, com apresentação da sentença de guarda judicial, documentos do segurado e do menor, além de provas da dependência econômica.
A lei também prevê a extensão do benefício de auxílio-reclusão a esses dependentes, caso o segurado seja preso, ao manter os mesmos requisitos de comprovação. Assim, a rede de proteção não se limita à morte do provedor, mas também contempla situações de afastamento temporário.
Segundo dados do INSS, atualmente mais de 5 milhões de pessoas recebem pensão por morte no Brasil, o que forma o segundo maior grupo de beneficiários da Previdência Social. Com a aplicação da Lei nº 15.108/2025, a expectativa é que esse número aumente de forma equilibrada, à medida que famílias se adequem às novas regras, o que reforça a missão da Previdência: oferecer proteção social efetiva a quem mais precisa.
Ao formalizar legalmente a responsabilidade familiar que vai além do vínculo biológico, o Estado reconhece a diversidade das famílias brasileiras e garante que avós, padrastos e tios que assumem a criação de crianças possam assegurar proteção, renda e dignidade.
Avós cuidam de quase 8 milhões de jovens
Foto: Freepik
O fortalecimento da proteção previdenciária chega em um momento crucial, considerando o crescente número de crianças e adolescentes criados por parentes próximos. Dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) divulgados em agosto de 2025, apontam que aproximadamente 7,3 milhões de jovens vivem com avós, tios ou outros familiares, o que representa 13,9% da população entre zero e 17 anos. Entre essas crianças, 81,9% estão sob os cuidados de avós, e a maioria dos lares é chefiada por mulheres (62,4%).
A pesquisadora sênior do Ipea, Enid Rocha Andrade da Silva, ressalta que a realidade evidencia tanto a força da solidariedade familiar quanto a carência de políticas públicas voltadas à proteção social. “A maior parte dessas famílias vive com renda de até um salário mínimo per capita. O cuidado é movido mais por afeto do que por estrutura econômica, aumentando o risco de vulnerabilidade”, explica.
A pesquisa também evidencia desigualdades raciais e regionais. Mais da metade (53,6%) das crianças nessa situação são pardas ou pretas, e muitas residem nas regiões Norte e Nordeste, onde o acesso a serviços públicos e programas de assistência é limitado. Nessas condições, a proteção legal é indispensável para evitar a ruptura de vínculos familiares e a institucionalização de menores.
Alguns municípios já avançam na oferta de políticas de prevenção. Franca (SP), por exemplo, implantou o Benefício Temporário de Transferência de Renda às Famílias de Origem, o que garante auxílio financeiro para manter crianças sob cuidados familiares. Essa medida resultou em redução de 65% no número de afastamentos familiares entre 2020 e 2024, o que serve como modelo nacional.
A advogada previdenciária Apoliana Moreira, considera a nova lei uma conquista histórica. “Muitas vezes, avós e tios assumem a criação de netos e sobrinhos sem qualquer suporte formal. Agora, a lei reconhece essa realidade e amplia a rede de proteção social a quem realmente precisa”, afirma.
O impacto financeiro sobre o sistema previdenciário será gradual e controlado, já que a concessão depende de guarda judicial e comprovação de dependência econômica. “O ganho social, entretanto, é expressivo. A medida impede que menores vulneráveis fiquem desamparados após a morte do provedor, garantindo-lhes segurança e dignidade”, completa a profissional.
Em um país em que milhões de crianças dependem do esforço e do cuidado de parentes próximos, a nova lei representa um passo concreto rumo à justiça social e à valorização das múltiplas formas de família.
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