O empreendedorismo feminino tem ganhado cada vez mais força no Brasil, tornando-se não apenas uma alternativa à retração do mercado formal de trabalho, mas também um motor relevante de transformação econômica, autonomia financeira e impacto social. Em um cenário marcado pela queda de empregos com carteira assinada ocupados por mulheres, a criação de negócios liderados por elas desponta como resposta resiliente às desigualdades estruturais e às múltiplas barreiras enfrentadas no mundo do trabalho.
De acordo com dados do Ministério do Trabalho e Emprego, o país abriu, em 2023, cerca de 642 mil vagas formais para mulheres — uma retração de 32% em relação a 2022. Paralelamente, a taxa de empreendedorismo feminino cresceu de forma expressiva. Segundo o Sebrae, já são mais de 10,3 milhões de mulheres à frente de negócios, o que representa 34,4% do total de empreendedores no país. Este é o maior percentual desde 2016 e evidencia uma tendência de protagonismo feminino no setor de serviços e em atividades que vão da economia criativa ao comércio local.
Formalidade em queda, empreendedorismo em alta
A saída do mercado formal, provocada por demissões, dificuldade de recolocação e limitações de jornada impostas pela sobrecarga doméstica, tem levado muitas mulheres a empreender por necessidade — mas também por escolha. O relatório Global Entrepreneurship Monitor (GEM) de 2022 revelou que 51% dos negócios em fase inicial no Brasil são liderados por mulheres, reforçando o papel ativo que elas vêm assumindo mesmo diante das adversidades.
A edição mais recente do GEM, divulgada em 2024, trouxe novos indicativos desse movimento. Após quatro anos de queda, a participação feminina entre os empreendedores iniciais voltou a crescer, saltando de 40,2% para 46,8%. Além disso, entre os negócios já consolidados (com mais de 3,5 anos de atividade), o aumento também é significativo, especialmente entre mulheres de 45 a 54 anos — uma faixa etária que tem menor responsabilidade com filhos pequenos e mais disponibilidade para focar no desenvolvimento empresarial.
Informalidade é porta de entrada para muitas empreendedoras
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Sobrecarga doméstica ainda limita o sucesso dos negócios
Apesar do avanço nos números, o empreendedorismo feminino continua marcado por desafios específicos. Pesquisa da Serasa em parceria com a Opinion Box mostrou que nove em cada dez mulheres brasileiras enfrentam dificuldades para evoluir financeiramente devido ao acúmulo de tarefas domésticas e familiares. Essa sobrecarga compromete o tempo disponível para qualificação profissional, a construção de redes de apoio e a busca por oportunidades de crescimento nos próprios negócios.
O impacto dessa realidade se reflete no dia a dia das empreendedoras. Segundo o mesmo estudo, 73% delas afirmam que a rotina doméstica interfere diretamente na gestão das empresas, enquanto 74% precisam recorrer a trabalhos extras — os chamados “bicos” — para manter a sustentabilidade do negócio. Além disso, o histórico financeiro é preocupante: 87% já foram negativadas e 68% tiveram pedidos de crédito recusados.
Informalidade como alternativa — mas com pouca segurança
Muitas mulheres recorrem à informalidade como solução de curto prazo. Sete em cada dez já assumiram ocupações fora do regime formal para complementar a renda, com destaque para atividades como revenda de produtos, serviços de limpeza, cuidados pessoais e entrega de alimentos. Embora essenciais, essas funções oferecem pouca estabilidade financeira e raramente permitem crescimento escalável.
Nesse contexto, o acesso ao crédito se torna uma barreira crítica. Dados mostram que empresas lideradas por mulheres enfrentam, em média, taxas de juros quatro pontos percentuais mais altas do que as comandadas por homens. Essa desigualdade de tratamento restringe a capacidade de investimento e a formalização das atividades, criando um ciclo de vulnerabilidade que afeta especialmente empreendedoras iniciantes ou em situação de maior fragilidade social.
Avanços institucionais e a importância das redes de apoio
Frente a esses desafios, crescem também as iniciativas de suporte e capacitação voltadas ao fortalecimento do empreendedorismo feminino. Programas públicos e parcerias institucionais têm buscado ampliar o acesso ao crédito, disseminar educação financeira e promover a qualificação técnica das empreendedoras. Ações como caravanas de orientação e eventos de capacitação reforçam a importância das redes de apoio e da troca de experiências entre mulheres em diferentes estágios da vida empresarial.
Esses espaços também servem como plataforma para debates sobre inovação, liderança e transformação social. A ideia central é fortalecer o protagonismo feminino como vetor de mudança, não apenas individual, mas coletiva. Quando uma mulher empreende, ela transforma não só a própria trajetória, mas também impacta sua família, sua comunidade e movimenta a economia local.