O motoclube Os Brabos Tem Nome anunciou que irá acionar a Justiça para contestar as multas que ultrapassam R$ 1 milhão, aplicadas pela Polícia Rodoviária Federal (PRF) a mais de 500 motociclistas que participaram de um passeio em Goiás. O grupo alega que as autuações, que resultaram na suspensão de centenas de Carteiras Nacionais de Habilitação (CNHs), foram “generalizadas e desproporcionais”.
O passeio ocorreu no domingo, 19 de outubro, na BR-060, entre Anápolis e Abadiânia (GO), em comemoração ao 5º aniversário do motoclube. Segundo a entidade, o evento teve caráter beneficente, com arrecadação de alimentos destinados à montagem de cestas básicas para famílias em situação de vulnerabilidade.
“Nosso grupo sempre teve como princípios fundamentais a organização, o respeito e a responsabilidade no trânsito. Não aceitamos manobras perigosas nem violações das normas”, afirmou o clube em nota.
A PRF, por sua vez, sustenta que o comboio foi realizado sem a autorização prévia exigida pelo Artigo 174 do Código de Trânsito Brasileiro (CTB). O dispositivo prevê que qualquer deslocamento organizado, evento ou demonstração em vias públicas precisa de permissão formal da autoridade de trânsito competente. A ausência desse documento configura infração gravíssima, sujeita a multa de R$ 2.934,70 e suspensão da CNH.
De acordo com a corporação, “foram tomadas as medidas administrativas cabíveis em relação aos condutores que participaram de um grande deslocamento de motocicletas sem a devida autorização na BR-060”. A PRF acrescentou que a fiscalização teve como objetivo “preservar a vida e a ordem no trânsito, evitando riscos desnecessários a todos os usuários da via”.
O motoclube contesta a tipificação da infração, alegando que se tratava de um “passeio completamente controlado e pacífico”. Os integrantes afirmam que trafegaram de forma ordeira, na faixa da direita, sem obstruir a pista e permitindo a passagem livre de outros veículos. Segundo o grupo, os batedores que estavam na esquerda atuavam apenas para auxiliar na organização e segurança, “garantindo o fluxo e a disciplina do comboio”.
A principal queixa do motoclube, contudo, diz respeito à forma como as penalidades foram aplicadas. O motoclube relata que, ao chegar em Abadiânia, foi abordado por agentes da PRF que informaram se tratar de uma fiscalização de rotina, verificando documentos e condições das motos.
“Durante a abordagem, não houve qualquer notificação ou autuação imediata. Os agentes apenas solicitaram informações e tiraram fotos das placas, liberando os participantes logo em seguida”, relatou o motoclube.
No entanto, as notificações começaram a chegar no dia seguinte, com centenas de autuações baseadas na suposta participação em evento não autorizado. “Houve casos de pessoas multadas duas vezes, e entre os atingidos há trabalhadores que dependem da CNH, como motoristas e entregadores”, afirmou o grupo. A PRF-GO informou que, em casos de duplicidade, os condutores devem entrar com recurso pela internet para solicitar o cancelamento de uma das cobranças.
O motoclube também argumenta que a “autuação em massa, sem individualização da conduta”, fere o devido processo legal e o direito à ampla defesa. Segundo a entidade, muitos dos autuados estavam apenas em trânsito, acompanhando o comboio, sem envolvimento na organização do evento. “A forma como as multas foram aplicadas é injusta e desproporcional”, reforçou o grupo, acrescentando que está reunindo vídeos, depoimentos e documentos para comprovar que o passeio ocorreu dentro das normas de segurança.
A PRF, em nota oficial, reiterou que a atuação foi amparada pela legislação de trânsito e que “qualquer concentração, evento ou comboio que envolva veículos e possa afetar o fluxo normal das rodovias federais deve possuir autorização prévia”. Segundo o órgão, a exigência visa garantir “a segurança e a fluidez do trânsito nas rodovias federais”.
O motoclube Os Brabos Tem Nome já acionou advogados e avalia ingressar com uma ação coletiva ou mandado de segurança para reverter as punições. “Seguiremos firmes na busca de uma solução justa, mantendo sempre nosso compromisso com a solidariedade, a organização e o motociclismo responsável”, conclui a nota da entidade.
Disputa expõe brecha na aplicação do Código de Trânsito Brasileiro
O cerne do conflito envolvendo a PRF e “Os Brabos Tem Nome” reside na interpretação e aplicação do Código de Trânsito Brasileiro (CTB). A polícia baseou suas autuações no Artigo 174 do CTB, que penaliza quem “promover, na via, competição esportiva, eventos organizados, exibição e demonstração de perícia em manobra de veículo, ou deles participar, como condutor, sem permissão da autoridade de trânsito com circunscrição sobre a via”.
A penalidade para esta infração é gravíssima, multiplicada por cinco vezes, além da suspensão do direito de dirigir e apreensão do veículo. A corporação reitera que qualquer concentração, evento ou comboio que possa afetar o fluxo normal das rodovias federais deve ter autorização prévia. O objetivo da PRF é preservar a vida, a segurança viária e a fluidez do trânsito.
Em contrapartida, o motoclube alega que o Artigo 174 não se aplica ao seu caso, argumentando que a atividade era um simples passeio motociclístico, e não um evento. Para os motociclistas, o passeio se enquadra como “trânsito normal, sem fechamento de vias” e “reunião pacífica e itinerante”, protegida pelo Art. 5º, XVI, da Constituição Federal, que garante o direito de reunião mediante aviso prévio e não mediante autorização.
A defesa do motoclube argumenta, com base em especialistas consultados, que o mero deslocamento de motociclistas, desde que respeitadas as normas de circulação e sem prejuízo ao fluxo viário, não configuraria um evento. O grupo alega ter mantido a conduta ordeira, utilizando a pista da direita e permitindo o trânsito livre pela esquerda.
Outra contestação legal importante levantada pelo motoclube é a questão da autuação em massa. Conforme o Artigo 281 do CTB (Capítulo XVIII, Seção II), que trata do Julgamento das Autuações e Penalidades, “nenhuma penalidade será imposta sem a devida comprovação da infração e identificação do infrator”. O clube afirma que multar centenas de pessoas apenas por fazerem parte de um grupo, sem comprovação individual da conduta ilícita, viola os princípios do devido processo legal e da ampla defesa (Art. 5º, LIV e LV da Constituição Federal).
A legislação de trânsito, instituída pela Lei nº 9.503/97, visa aumentar a segurança e promover a educação para o trânsito. No caso em questão, o debate jurídico foca em se o grande número de veículos (cerca de 500) no comboio e a ausência da permissão exigida transformam o “passeio” em um “evento organizado” passível de multa gravíssima pelo Art. 174 do CTB.
O motoclube busca reverter judicialmente as penalidades, alegando que a aplicação das multas foi “injusta e desproporcional”.
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