Mesmo com a entrada em vigor da lei federal que proíbe o uso de celulares nas salas de aula em todo o País, sancionada em janeiro deste ano de 2025, a realidade nas escolas brasileiras ainda é de resistência. Uma pesquisa realizada pela plataforma Equidade.info, em parceria com a Frente Parlamentar Mista da Educação, apontou que 54% dos estudantes do Ensino Fundamental II e do Ensino Médio seguem utilizando o aparelho durante as aulas.
Entre os alunos dos últimos anos escolares, o índice é ainda maior: 56% admitem usar o celular em sala, mesmo com a proibição. No Ensino Fundamental II, a taxa é de 50%. O levantamento ouviu mais de 1.000 estudantes e cerca de 350 professores e gestores escolares, entre fevereiro e maio deste ano, em mais de 200 instituições públicas e privadas espalhadas por todas as regiões do País.
Além das salas de aula, o uso do celular também ocorre em outros espaços da escola, como o pátio (53%), banheiro (32%), quadra (31%) e refeitórios ou cantinas (26%). A principal justificativa dada pelos alunos é a necessidade de comunicação com a família (75%).
No entanto, o levantamento mostra que os estudantes também acessam frequentemente o WhatsApp (53%), redes sociais como Instagram e TikTok (45%), ouvem música (43%) e, em menor proporção, utilizam o celular para fins pedagógicos (39%).
Apesar da resistência de parte dos estudantes, muitos já começam a perceber efeitos positivos com a limitação do uso dos dispositivos. É o caso de Fernando Luiz, de 16 anos, aluno do 1º ano do Ensino Médio em uma escola estadual de Goiânia. “No início eu não gostei, porque não podia mais mexer no celular durante o intervalo ou quando terminava minhas atividades. Sentia falta das redes sociais e dos jogos. Mas, com o tempo, me acostumei”, conta.
Fernando afirma que começou a aproveitar mais o tempo com os amigos, prestando mais atenção nas explicações dos professores e participando das aulas. “Acho que, de certa forma, foi bom pra gente focar mais nos estudos. Eu até melhorei em algumas matérias”, completa.
Impactos observados pelos professores
Do outro lado da sala, os professores também notam mudanças significativas. A docente de biologia Amanda Florentino, que atua no Cepi Aécio Oliveira de Andrade, em Goiânia, afirma que a proibição trouxe impactos positivos tanto na participação dos alunos quanto na qualidade do ensino.
“Está funcionando, sim. Os alunos ficaram muito mais atentos nas aulas, participativos, e o desempenho melhorou bastante. Antes da lei, eu passava mais tempo pedindo para guardarem os celulares do que, de fato, dando aula”, relata.
Segundo Amanda, os próprios trabalhos escolares passaram a apresentar mais autenticidade. “Antes, eu recebia atividades com as mesmas respostas, todas copiadas do ChatGPT. Hoje, eles escrevem, copiam do quadro, fazem perguntas. É outro tipo de envolvimento com o conteúdo.”
A professora destaca ainda o ganho no convívio social entre os adolescentes. “No intervalo, era cada um no seu mundo. Ninguém conversava. Agora, jogam vôlei, futebol, baralho. Estão se reconhecendo como colegas de turma. Antes, tinha aluno que nem sabia o nome do outro.”
A lei federal e a situação em Goiás
A proibição do uso de celulares nas escolas foi sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em 13 de janeiro deste ano, após nove anos de tramitação no Congresso Nacional. A nova legislação veda o uso do aparelho durante as aulas, intervalos e recreios em todas as etapas da educação básica. As únicas exceções são para fins pedagógicos, com orientação docente, ou em casos de emergência médica ou familiar.
Em Goiás, no entanto, a restrição não é novidade. Desde 2010, a Lei Estadual nº 16.993 já proibia o uso dos celulares em sala de aula. Após o período de aulas remotas na pandemia da Covid-19, quando o celular se tornou uma ferramenta indispensável, a Secretaria de Estado da Educação (Seduc-GO) reforçou a norma com uma nota de recomendação às unidades escolares.
A secretária estadual de Educação, Fátima Gavioli, avalia que a lei federal é positiva, mas pondera sobre desafios estruturais para sua plena aplicação. “Há duas questões que o Ministério da Educação ainda precisa responder. Primeiro, quem ficará responsável pela guarda dos aparelhos? As escolas não têm estrutura para armazenar centenas de celulares com segurança. Segundo, é necessário saber se o governo federal pretende investir em equipamentos pedagógicos com acesso restrito às redes sociais, mas que permitam a navegação em conteúdos educativos.”
Em Goiânia, a prefeitura também adotou medidas para promover o uso consciente da tecnologia nas escolas. Uma das primeiras leis sancionadas pelo prefeito Sandro Mabel, ainda em janeiro, foi a Lei Municipal nº 11.313, que cria a Semana de Prevenção e Combate ao Uso Excessivo de Celulares nas Escolas da Rede Municipal. A campanha será realizada anualmente, na terceira semana de outubro, com ações de conscientização, rodas de conversa, palestras e envolvimento das famílias.
A Secretaria Municipal de Educação (SME) informou que a aplicação da nova lei deve ser feita com diálogo, e não de forma punitiva. “A ideia é mudar o hábito, e não apenas proibir. O celular pode ser uma ferramenta pedagógica, desde que usado com propósito, monitoramento e bom senso”, diz a nota enviada pela SME.
Desafios
Apesar das normas já em vigor em níveis federal, estadual e municipal, o monitoramento ainda é um dos maiores obstáculos. Segundo a mesma pesquisa da Equidade.info, 57% dos estudantes relatam dificuldade em reduzir o tempo de tela. Por outro lado, 51% dos alunos afirmaram que já deixaram de levar o celular para a escola, o que indica uma possível mudança de comportamento em curso.
Entre os professores, 40% são totalmente contra o uso do aparelho em ambiente escolar. Já entre os gestores, o índice é ainda maior: 45% defendem a proibição completa. Em contrapartida, do lado dos alunos, apenas 18% são contrários ao uso, enquanto 30% são totalmente favoráveis — um indicativo de que o tema ainda provoca debate entre gerações e perfis distintos.
Especialistas em educação avaliam que a questão do celular nas escolas vai além da disciplina em sala: envolve aspectos de saúde mental, interação social, segurança digital e até mesmo desigualdade de acesso.
A psicopedagoga e especialista em tecnologias na educação Renata Carvalho afirma que a proibição por si só não é suficiente. “O que vai funcionar é o desenvolvimento da autonomia dos estudantes e o uso da tecnologia com intencionalidade pedagógica. Só dizer ‘não pode’ pode gerar rejeição. O ideal é mostrar que há momentos certos para tudo, inclusive para o celular.”
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