A divulgação do Relatório Técnico de Monitoramento Geotécnico do Aterro Sanitário de Goiânia reacendeu, nesta semana, uma disputa de versões entre a administração municipal e órgãos ambientais estaduais sobre as reais condições de funcionamento da estrutura. O documento, contratado pela Companhia de Urbanização de Goiânia (Comurg), aponta que o aterro opera de maneira estável e sem risco iminente de acidentes.
No entanto, a Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad) contesta as conclusões, afirmando que o aterro funciona sem licença ambiental válida e apresenta problemas estruturais significativos, com potencial de gerar danos ambientais profundos e duradouros.
A divergência recoloca o aterro sanitário no centro de um debate que atravessa diversas gestões municipais: a falta de políticas efetivas para a gestão de resíduos sólidos na capital.
Relatório aponta estabilidade estrutural
O estudo, elaborado pelo engenheiro ambiental e geomensor José Augusto Martins Filho, reúne medições realizadas entre setembro e novembro deste ano. As análises indicam que os fatores de segurança avaliados em quatro seções do aterro ficaram entre 1,8 e 2,5 — índices superiores ao mínimo recomendado pela Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), que é de 1,5.
Além disso, levantamentos topográficos e aerofotogramétricos não identificaram deslocamentos anormais ou áreas com tendência a deformações aceleradas no maciço de resíduos. Segundo a Comurg, os resultados comprovam que o aterro permanece estável e dentro dos parâmetros técnicos considerados seguros. A companhia informou ainda que continuará realizando monitoramentos bimestrais para garantir a continuidade da estabilidade geotécnica.
Semad contesta: operação segue irregular
Apesar do relatório, a Semad afirma que o aterro continua autuado e multado por operar sem licença ambiental válida, em descumprimento ao Decreto Federal nº 6.514/2008. De acordo com a secretaria, o município não apresentou pedido formal de regularização e permanece sujeito a multa diária de R$ 5 mil.
O último relatório de fiscalização, emitido em julho, apontou falhas graves, como:
infiltração de chorume no solo;
deficiências no sistema de drenagem;
ausência de captação e queima de biogás;
risco potencial de contaminação do Ribeirão Caveirinha;
desgaste de taludes e risco de instabilidade em áreas localizadas.
Em nota enviada à reportagem, a Semad afirmou. “Estamos diante de um quadro que exige ação corretiva imediata, não apenas monitoramento.”
A abordagem da pasta se apoia na interpretação de que o aterro já ultrapassou sua vida útil originalmente prevista, o que torna a continuidade das operações sujeita a agravamento de impactos ambientais e sanitários.
Especialistas defendem diagnóstico transparente
O gestor ambiental, geógrafo e perito judicial Juliano Cardoso reforça que a situação não é recente e se agravou ao longo dos anos devido à falta de planejamento estratégico.
“A situação do aterro sanitário de Goiânia é complexa, não é de hoje. Tentam remediar, adaptar, prolongar o uso, mas sem observar rigor técnico e legal. A ausência de planejamento é um problema crônico da administração pública.”
Juliano também aponta o dilema: fechar o aterro sem solução alternativa é inviável. “Seria simples dizer: fechem e levem para outro município. Mas isso tem um custo financeiro, ambiental e social. Todos os dias, Goiânia produz toneladas de resíduos. Sem planejamento, o problema se desloca, não se resolve.”
Ao mesmo tempo, ele afirma que a continuidade do funcionamento sem readequações adequadas acentua riscos ambientais e sanitários, especialmente para cidades vizinhas.
“O aterro hoje é uma montanha de resíduos. Isso impacta solo, água e ar. Problemas desse tipo se irradiam para Trindade, Goianira e outros municípios. Não é um problema local, é metropolitano.”
Juliano critica a ausência de continuidade administrativa e a falta de equipes técnicas permanentes. “Cada gestão troca tudo, como se começasse do zero. Não existe política de governo, existe política de mandato. Sem plano de curto, médio e longo prazo, o problema volta maior.”
Ele defende que a solução depende de três eixos essenciais:
Diagnóstico técnico transparente e público da situação atual
Plano emergencial para evitar agravamento e riscos imediatos
Implantação de nova célula de destinação e reestruturação da política de resíduos
“O prefeito herdou um problema grave. Agora precisa coragem política para nomear uma junta técnica independente, com liberdade para dizer a verdade e propor soluções reais.”
Enquanto a prefeitura mantém a posição de estabilidade técnica e a Semad reafirma a irregularidade do funcionamento, a capital segue sem uma definição clara para o futuro do aterro e da gestão de resíduos. Sem um plano abrangente, o risco é que a disputa institucional adie medidas urgentes — e que os impactos continuem recaindo sobre o meio ambiente e a população.
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