Quem mora em Goiânia tem convivido com um medo constante dentro de casa: o surgimento de escorpiões. Com frequência, moradores relatam encontrar os animais em quintais, banheiros, caixas de gordura e até mesmo dentro de armários e camas. Em setores como Jardim Guanabara, Urias Magalhães, Morada do Sol e Região Noroeste, as reclamações se intensificaram nos últimos meses.
“Minha filha foi ao banheiro e gritou. Tinha um escorpião debaixo do cesto de roupa suja. Imagina se pica uma criança? A gente não tem sossego mais dentro da própria casa”, desabafa a dona de casa Maria das Dores, moradora do Jardim Curitiba há mais de 20 anos. Ela conta que tem limpado o quintal com frequência, usado ralos com proteção e tapado frestas, mas mesmo assim continua encontrando os aracnídeos.
Situações como a dela não são isoladas. Além das residências, estabelecimentos comerciais, escolas e até unidades de saúde também têm registrado ocorrências. Em alguns bairros, o aparecimento dos escorpiões já virou motivo de campanhas comunitárias para limpeza de terrenos baldios e denúncias à prefeitura.
Grande parte da população associa o aumento do aparecimento desses animais diretamente ao acúmulo de lixo, mato alto e entulho espalhados pela cidade. Essa percepção, de fato, não está errada. Ambientes com excesso de material orgânico e restos de construção ajudam na proliferação de insetos, como baratas e grilos, que são a principal fonte de alimento para os escorpiões.
No entanto, o que muitos não sabem é que o aumento dos casos de picadas não se restringe apenas a Goiânia ou ao Estado de Goiás. Trata-se de um fenômeno que tem preocupado autoridades de saúde em todo o Brasil, principalmente nas regiões urbanas e periféricas, onde há combinação de alta densidade populacional e deficiência na coleta de lixo.
Infestação é nacional e tendência de aumento
Daniel Graziani, gerente do controle de Animais Sinantrópicos de Goiânia, explica que o crescimento populacional do Tityus serrulatus, conhecido como escorpião-amarelo, está ligado não apenas à degradação ambiental e lixo urbano, mas também a uma característica própria desta espécie: sua reprodução se dá por partenogênese, ou seja, as fêmeas não precisam de machos para gerar filhotes.
Uma única fêmea pode dar origem a dezenas de escorpiões por ano. E como o ambiente urbano oferece abrigo e alimento em abundância, é um cenário perfeito para o aumento descontrolado. Ele reforça que as cidades brasileiras, por não estarem preparadas estruturalmente para lidar com essa infestação, acabam sendo os principais focos do problema.
Além disso, com o aumento das temperaturas e períodos prolongados de seca, como ocorre frequentemente em Goiás, os escorpiões tendem a sair mais de seus esconderijos em busca de água e comida. Isso explica por que, em épocas mais quentes e secas, as notificações disparam.
Casos em Goiás e no Brasil
A Secretaria de Estado da Saúde de Goiás (SES-GO) informou que, até o momento, o total de acidentes com animais peçonhentos em 2025 já alcançou 1.088 casos, incluindo ataques de serpentes, escorpiões, lagartas e abelhas. Em 2024, o total de acidentes foi significativamente maior, com 11.910 casos registrados.
O Hospital Estadual de Doenças Tropicais Dr. Anuar Auad (HDT), referência no tratamento de acidentes com animais peçonhentos, observou um aumento considerável nos atendimentos relacionados a picadas de aranhas. Entre janeiro e fevereiro de 2025, mais 121 casos, um aumento de 235% em comparação ao mesmo período do ano anterior.
Em Goiânia, a Secretaria Municipal de Saúde de Goiânia (SMS) registrou 393 acidentes com escorpiões no primeiro semestre de 2025, um aumento de 34% em comparação ao mesmo período do ano anterior.
Em âmbito nacional, os números também impressionam. O Ministério da Saúde contabilizou mais de 190 mil acidentes com escorpiões em todo o Brasil em 2024, e a expectativa é de que o número ultrapasse os 220 mil registros até o fim deste ano. Estados do Sudeste e Centro-Oeste lideram o ranking.
O aumento dos casos preocupa não apenas pela frequência, mas também pelo risco envolvido. Crianças pequenas, idosos e pessoas com comorbidades são os grupos mais vulneráveis a complicações após o envenenamento.
O que fazer em caso de picada
A principal orientação para evitar o aparecimento dos escorpiões é manter os ambientes limpos e sem acúmulo de lixo, especialmente restos de comida, que atraem baratas. Vedação de ralos, frestas de portas e janelas, limpeza constante de quintais e descarte correto de entulho são medidas essenciais.
Outra recomendação importante é não manusear entulhos ou restos de material de construção sem a devida proteção, como luvas grossas e botas. Locais escuros, úmidos e com acúmulo de objetos devem ser vistoriados frequentemente.
Se a pessoa for picada, a orientação é procurar imediatamente uma unidade de saúde. Em casos graves, o soro antiescorpiônico pode ser administrado, especialmente quando a vítima é criança. “Não se deve tentar sugar o veneno ou fazer cortes no local da picada. O ideal é lavar a área com água e sabão e buscar atendimento médico o mais rápido possível”, ressalta a enfermeira Carla Melo, que atua na rede de urgências da capital.
Escorpião-amarelo: ameaça silenciosa que avança nas cidades brasileiras
O escorpião que tem gerado essas preocupações em Goiânia, em Goiás e em todo o Brasil é o Tityus serrulatus. Essa espécie é a mais venenosa do território brasileiro e possui características que favorecem sua proliferação urbana.
Com expectativa de vida que pode chegar a 4 ou 5 anos, a espécie é capaz de passar longos períodos sem se alimentar, sobrevivendo por meses em locais escondidos dentro das casas. Além disso, seu método de reprodução assexuada permite que a população aumente de maneira acelerada, mesmo quando apenas uma única fêmea está presente em determinado local.
Outro aspecto relevante é que esses escorpiões geralmente ficam ativos durante a noite, período em que saem em busca de alimento. Durante o dia, preferem permanecer escondidos sob entulhos, pedras, madeiras, ralos e até dentro de sapatos e roupas.
Esse fenômeno de aumento na infestação tem sido monitorado em várias capitais brasileiras. E já há registros até em áreas antes consideradas pouco propícias, como cidades frias do Sul do País. O desequilíbrio ambiental, somado à facilidade de adaptação da espécie, transformou o escorpião-amarelo em uma ameaça permanente no cenário urbano brasileiro.
E a tendência, segundo especialistas, é de que os números continuem crescendo enquanto não houver um esforço coordenado entre poder público, população e especialistas para combater as causas e os criadouros desses animais. Até lá, moradores como dona Maria seguem atentos a cada caso.
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