A decisão da Secretaria Municipal de Educação (SME) de fechar temporariamente o Centro Municipal de Educação Infantil (CMEI) Santos Dumont desencadeou uma profunda crise na Capital, resultando em manifestações da comunidade escolar, realizadas, por exemplo, no dia 18 de novembro, e ações imediatas nos órgãos de controle.
O fechamento da unidade, justificado pela prefeitura como medida para uma reforma, é visto por pais, servidores e parlamentares como parte de um “desmonte silencioso da rede direta” que estaria favorecendo a terceirização da educação infantil em Goiânia.
A SME enviou pela terceira vez para a reportagem do O HOJE uma mesma nota informando que o prédio do CMEI Santos Dumont, construído em estrutura de placas e com área externa inadequada para as especificidades da Educação Infantil, passaria por uma reforma completa.
A secretaria garantiu que “as 47 crianças atualmente matriculadas” seriam transferidas para o CMEI Fabiano de Cristo, a uma distância prometida de aproximadamente 800 metros a 1 km, assegurando a continuidade do atendimento e a reabertura da unidade após a requalificação.
A versão oficial da prefeitura foi veementemente contestada pela comunidade. Pais e funcionários afirmam que o número real de alunos é quase o dobro do anunciado pela SME, chegando a 80 crianças estudando na unidade atualmente, enquanto a secretaria alegou a existência de apenas 40, e depois 47.
A vereadora Kátia Maria (PT) e o vereador Igor Franco (MDB) alertaram que o remanejamento das crianças seria feito para unidades que já enfrentam superlotação. Além disso, mães e profissionais de educação relatam que as crianças transferidas para unidades já cheias percebem a perda de qualidade, voltando para casa “mais estressadas e cansadas”.
A falta de diálogo é um dos pontos mais sensíveis, com pais e profissionais afirmando terem sido informados dos fechamentos “pelos portões das escolas ou por mensagens de WhatsApp”, sem laudos técnicos, justificativa oficial ou aviso prévio.
Servidores destacaram que o Centro Municipal é o “único serviço público da região”, que não possui posto de saúde ou outros equipamentos, e questionaram o argumento da prefeitura, já que haveria espaço para construir o CMEI sem a necessidade de remover as crianças.
O fechamento de CMEIs como o Santos Dumont alimenta o receio de que as unidades sejam entregues a organizações sociais cívil (OSCs). A servidora Juliana Damando, profissional da educação, expressou profunda indignação e decepção com o comunicado de fechamento da unidade, que ocorreria em dezembro, sem análise de impacto ou plano gradativo.
Ela teme que a terceirização resulte na precarização das estruturas, má remuneração dos profissionais e pouca transparência na prestação de contas do dinheiro público, o que enseja “condutas de corrupção e lavagem de dinheiro”.
Pressão política e investigações ampliam disputa sobre fechamento das unidades
Igor Franco criticou a “precarização deliberada” da rede e afirmou ver uma “abertura para a privatização” da Educação infantil municipal. A deputada estadual Bia de Lima (PT), presidente do Sindicato dos Trabalhadores em Educação de Goiás (Sintego), classificou como um “absurdo” o fechamento de cinco CMEIs na Capital diante do grande déficit de vagas.
Ela questionou a intenção da prefeitura de “transferir recursos públicos para organizações sociais”, citando que o custo por criança repassado a essas entidades pode chegar a R$ 1.200 por mês.
Diante do cenário, parlamentares acionaram órgãos de controle com uma ação no Ministério Público (MP-GO). A vereadora Aava Santiago (PSDB) protocolou, em 19 de novembro, uma Notícia de Fato na 50ª Promotoria de Justiça do MP-GO. Ela solicitou investigação imediata sobre o fechamento e esvaziamento de CMEIs, incluindo o Santos Dumont, Vila Santa Rita, Água Branca, São José e Prof. Darly.
O documento relaciona os fechamentos ao processo de terceirização de 146 CMEIs autorizado pela Portaria nº 350/2025 e questiona o repasse de cerca de R$ 15 milhões em 2025 para entidades conveniadas, como o Ministério Filantrópico Terra Fértil.
O MP-GO, em 24 de novembro, determinou, por meio da 73ª Promotoria de Justiça do MP-GO formalizou o Ofício nº 355/2025, determinando que a SME apresente, em um prazo de dez dias, toda a documentação que fundamentou os fechamentos e reestruturações.
O MP exigiu laudos técnicos, estudos de realocação de alunos, justificativas oficiais e a íntegra do processo administrativo referente à terceirização. Aava Santiago afirmou que a intervenção do MP “confirma a gravidade do que denunciamos” e exige que a gestão municipal explique “por que está fechando CMEIs”.
O Tribunal de Contas dos Municípios (TCM-GO) iniciou uma ação. O vereador Professor Edward Madureira (PT) apresentou, em 17 de novembro, uma Representação ao TCM-GO com pedido de medida cautelar para suspender imediatamente o fechamento de unidades e turmas, citando o Santos Dumont e outras unidades, como o CMEI Água Branca, que teve fechamento total anunciado.
Edward alegou que as ações violam princípios constitucionais e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), causando “perda de vagas, interrupção de processos pedagógicos e sobrecarga de unidades vizinhas”. A vereadora Kátia Maria (PT) também protocolou uma representação no TCM-GO no mesmo dia.
Ela apontou a ausência de laudos técnicos, possível mudança de finalidade do imóvel e remanejamento de crianças para unidades já saturadas, solicitando uma medida cautelar para suspender os atos de desativação.
O TCM-GO, na quarta-feira (26) iniciou uma investigação após acatar a representação de Kátia Maria e instaurou o Processo nº 11.517/2025 para apurar as alterações relacionadas ao fechamento do CMEI Santos Dumont, verificando a motivação das mudanças e o impacto para a rede municipal.
A SME, procurada pela imprensa, manteve sua posição, reforçando que o fechamento é temporário para reforma e que a nova estrutura física do CMEI Fabiano de Cristo é “muito mais adequado, tem área verde e área livre”.
O cenário em Goiânia é complexo, com a gestão municipal defendendo a reforma e a otimização de recursos, enquanto a comunidade e a oposição alertam que, sob o pretexto de melhorias, ocorre um esvaziamento premeditado da rede direta, criando um ambiente propício para a entrega da Educação infantil à gestão privada.
A intervenção dos órgãos de controle, como o MP e o TCM, agora exige a apresentação de transparência e justificativas técnicas para as decisões que impactam centenas de famílias
Leia também:Goiás avança no Lixão Zero, mas 64 municípios ainda descumprem regras de destinação do lixo








