Apesar de toda a evolução tecnológica e das inúmeras possibilidades que a internet oferece, ela ainda abriga ambientes perigosos, especialmente para adolescentes. Atrás de telas e perfis anônimos, grupos organizados se aproveitam da vulnerabilidade emocional dos jovens para aliciá-los, manipulá-los e envolvê-los em práticas criminosas graves.
O caso mais recente, registrado em Goiânia, chama atenção para a urgência de discutir o papel das redes sociais como ferramentas de recrutamento digital. Durante a Operação Adolescência Segura, um adolescente foi apreendido sob suspeita de integrar um grupo que incentivava crimes de ódio, apologia ao nazismo, automutilação e outros atos violentos — todos articulados no ambiente virtual.
Coordenada pela Polícia Civil do Rio de Janeiro, com apoio do CyberLab da Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp), a Operação Adolescência Segura foi deflagrada em abril de 2025 com o objetivo de combater crimes cibernéticos praticados por e contra adolescentes em diversos estados do país.
A investigação revelou a atuação de grupos virtuais organizados, com jovens envolvidos em práticas como apologia ao nazismo, incitação à violência, automutilação, crueldade contra animais e ameaças a escolas. Os conteúdos eram compartilhados principalmente em plataformas de bate-papo e redes sociais, com linguagem codificada e símbolos de ódio. No total, a operação cumpriu mais de 30 mandados de busca e apreensão em 11 estados brasileiros.
O psicólogo Flávio Lopes, alerta que os impactos psicológicos sofridos por jovens que se envolvem com grupos virtuais que promovem ódio e violência são profundos e muitas vezes silenciosos. Segundo ele, os primeiros sinais costumam ser o isolamento social e um sentimento crescente de exclusão.
“Esses adolescentes sabem que estão se envolvendo com práticas ilícitas, e isso gera culpa e afastamento dos círculos sociais saudáveis, como amigos e familiares. Eles não têm com quem processar as cenas de violência que veem e os sentimentos que isso gera”, afirma Lopes.
Com o tempo, esses jovens passam por uma dessensibilização diante da violência, que deixa de causar impacto e passa a ser normalizada em suas rotinas digitais. Isso pode provocar uma distorção de valores éticos e morais, levando inclusive à prática de atos violentos ou à autopunição como forma de lidar com a culpa.
O processo de manipulação, segundo ele, geralmente começa com atenção. “Os criminosos oferecem pertencimento e escuta, que muitas vezes o adolescente não encontra na escola ou em casa”, explica.
A manipulação ocorre de forma sutil. “Eles se aproximam do jovem por meio de interesses em comum, como videogames ou futebol, e só depois inserem gradualmente ideias violentas, como se aquilo fizesse parte de um propósito de vida”, descreve o psicólogo.
Lopes defende que a prevenção mais eficaz é simples, mas exige dedicação: oferecer presença real. “Os pais precisam abrir mão do celular, do tempo de descanso e estar verdadeiramente atentos à vida dos filhos. Muitos desses adolescentes encontram atenção e acolhimento nesses grupos perigosos, porque em casa estão invisíveis. A adolescência é a fase de apoiar quem o seu filho é, não de moldá-lo à força”, orienta.
Nas escolas, ele critica a ausência de espaços de escuta e acolhimento. “A escola ensina a passar no vestibular, mas não prepara o adolescente para lidar com suas emoções, suas relações. Falta tempo para o brincar, para o descanso emocional, para a construção da identidade.”
Por fim, o psicólogo aponta sinais de alerta que pais e educadores devem observar: isolamento constante, agressividade repentina, variações bruscas de humor, sintomas de ansiedade ou depressão, além de interesse por conteúdos violentos e mudanças no círculo de amizades.
“Os pais costumam perceber que há algo errado, mas muitos não sabem como agir. O essencial é escutar com empatia, sem julgamento. Isso pode ser o que impede o jovem de buscar acolhimento em ambientes perigosos”, conclui.