Virar a noite bebendo álcool sempre foi associado à juventude, mas essa máxima começa a perder espaço entre parte da geração Z, formada pelos nascidos entre meados da década de 1990 e 2010. Os números mostram que o hábito de consumo está em transformação e que a cerveja, por muito tempo símbolo absoluto de celebração, já não ocupa mais o mesmo lugar entre os mais jovens.
Consumo em queda, mas mais intenso
De acordo com o Relatório Covitel de 2023, a parcela de jovens de 18 a 24 anos que consome álcool três ou mais vezes por semana caiu de 10,7% no período pré-pandemia para 8,1% no último levantamento. Pela primeira vez, faixas etárias mais velhas — entre 45 e 64 anos — superaram os mais jovens no consumo regular de álcool.
O mesmo estudo, no entanto, revela um dado contraditório. Apesar de menos jovens beberem com frequência, aqueles que consomem passaram a beber mais em uma mesma ocasião. O consumo abusivo, definido como cinco doses ou mais para homens e quatro ou mais para mulheres, subiu de 25,8% em 2022 para 32,6% em 2023 entre os jovens de 18 a 24 anos. Ou seja, menos pessoas estão bebendo, mas quem bebe tende a exagerar.
Mudança de hábitos e motivações
Uma pesquisa da MindMiners reforça esse movimento. Segundo o levantamento, 55% dos brasileiros da geração Z afirmam não consumir álcool, seja por não gostar dos efeitos, seja pelo sabor. Entre aqueles que consomem, 33% dizem ter reduzido a ingestão nos últimos anos. Os motivos mais citados são saúde, bem-estar, estética e até questões financeiras.
Essa mudança no comportamento impacta diretamente o mercado cervejeiro. O estudo Brand Footprint Brasil 2025, realizado pela Worldpanel by Numerator, indica que o país perdeu 1,1 milhão de consumidores de cerveja entre agosto e dezembro de 2024, em comparação ao mesmo período do ano anterior. Hoje, o consumo é liderado por millennials, geração X e baby boomers, que juntos representam mais de 70% das ocasiões de consumo.
O avanço da cerveja sem álcool
Apesar da queda, o hábito de tomar cerveja fora de casa ainda é expressivo. Pesquisas de mercado apontam que 63% dos brasileiros consomem cerveja em bares, restaurantes ou eventos, com índices maiores em capitais como São Paulo e Rio de Janeiro. No entanto, dentro da categoria, a maior novidade vem das versões sem álcool.
Entre 2018 e 2023, o consumo de cervejas zero álcool saltou de 133 milhões para 649 milhões de litros no Brasil, crescimento de 388% em apenas cinco anos. Projeções indicam que o volume pode ultrapassar a marca de 1 bilhão de litros até o fim da década. Esse movimento acompanha a tendência global conhecida como sobriety curiosity, em que consumidores não abandonam totalmente a bebida, mas fazem escolhas mais conscientes, alternando entre opções alcoólicas e não alcoólicas.
Saúde e estética no centro das escolhas
Especialistas avaliam que a preocupação com saúde, associada ao culto ao corpo, influencia a queda no consumo tradicional. “Há uma preocupação maior com bem-estar, saúde e atividades físicas. É crescente a busca pelo corpo perfeito, não é por acaso que medicamentos para emagrecimento fazem tanto sucesso hoje. Isso não engloba somente as bebidas, também reflete na procura por alimentos com menos sódio ou zero caloria”, aponta Silvia Durazzo Hees, gerente de novos negócios da Worldpanel.
Esse cenário força o setor a se reinventar. De um lado, cervejarias tradicionais apostam em versões sem álcool para reter consumidores que não querem abrir mão do sabor. De outro, cresce a oferta de bebidas alternativas, como fermentados de frutas, coquetéis prontos de baixo teor alcoólico e os chamados mocktails, drinques sofisticados sem álcool que imitam a apresentação dos coquetéis tradicionais.
O mercado em transformação
Um mixologista ouvido em Belo Horizonte explica por que esse mercado avança: “Foi-se o tempo em que suco de frutas ou água eram as únicas opções para quem não bebe. Hoje, as pessoas querem socializar e tirar fotos. Ter algo com boa apresentação atrai a clientela, mesmo sem álcool na composição”. Ele ressalta ainda que o preço mais acessível é outro atrativo. “O que encarece um drink é justamente o álcool. Quando você retira esse componente, consegue oferecer algo de qualidade por um valor menor.”
Para os fabricantes, os desafios vão além do desenvolvimento de novos produtos. É preciso diversificar o portfólio, comunicar-se de forma clara com os consumidores e manter preços acessíveis para um público que, em sua maioria, ainda tem renda limitada. Também é necessário acompanhar as mudanças regulatórias e tributárias, já que o setor de bebidas enfrenta constante revisão em impostos e normas de rotulagem.
As projeções para a próxima década mostram que o mercado de bebidas não alcoólicas tende a crescer com mais velocidade do que o segmento tradicional. Estimativas apontam que o setor deve movimentar US$ 55 bilhões no Brasil até 2034, contra US$ 32 bilhões em 2024. Dentro desse bolo, as cervejas sem álcool prometem deixar de ser um nicho e ganhar representatividade.
O cenário indica que a geração Z não está apenas bebendo menos cerveja: está mudando a lógica do consumo. Menos frequência, maior intensidade em ocasiões específicas, atenção à saúde e à imagem, busca por alternativas sem álcool e sensibilidade ao preço. Para as empresas, o desafio é compreender esse movimento e agir rápido. As marcas que não se adaptarem podem perder espaço. Já aquelas que conseguirem antecipar as demandas dos jovens terão a oportunidade de liderar um mercado em transformação.
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