O aumento da tarifa de importação para produtos brasileiros anunciado pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, já repercute fortemente no setor calçadista nacional. A medida, oficializada por ordem executiva em 30 de julho, eleva para 50% a taxa aplicada aos calçados fabricados no Brasil — um dos poucos itens excluídos da lista de isenção, que contemplou 694 produtos, como fertilizantes, minerais e bens para aviação civil.
A nova alíquota entra em vigor no dia 6 de agosto e pode representar um duro golpe para o setor. Segundo projeção da Associação Brasileira das Indústrias de Calçados (Abicalçados), até 8 mil empregos diretos podem ser perdidos no país. O presidente-executivo da entidade, Haroldo Ferreira, define a medida como “danosa e desproporcional”, afirmando que algumas fábricas produzem exclusivamente para o mercado norte-americano e terão dificuldades para escoar sua produção.
Exportações em crescimento
O impacto é potencializado pelo fato de os Estados Unidos serem o principal destino do calçado brasileiro no exterior. No primeiro semestre de 2025, foram exportados 5,8 milhões de pares aos EUA, o que representa um crescimento de 13,5% em relação ao mesmo período de 2024. Em valor, o montante chegou a US$ 111,8 milhões, incremento de 7,2%.
Os bons números se refletiram também no desempenho geral do setor. De janeiro a junho, o Brasil exportou 52,7 milhões de pares, que renderam US$ 497,34 milhões, com altas de 8,8% em volume e 3% em receita na comparação anual. Em junho, os embarques cresceram ainda mais: 6,87 milhões de pares exportados, gerando US$ 70,17 milhões (+24,5% e +11,2%, respectivamente).
Entretanto, com o tarifaço, os calçados brasileiros perderão competitividade no mercado norte-americano frente a países como China (que paga tarifa de 30%), Vietnã e Indonésia, cujos produtos têm custo de produção inferior. “Estamos falando de empresas que não conseguem redirecionar a produção, pois os calçados são feitos sob encomenda. Isso torna o cenário ainda mais crítico”, explica Ferreira.
Estados mais afetados
O Rio Grande do Sul é o estado que concentra o maior volume de exportações calçadistas do país, com 15,96 milhões de pares exportados no semestre, gerando US$ 232,7 milhões — quase 47% da receita nacional do setor. Para tentar conter os impactos do tarifaço, o governo gaúcho já anunciou uma linha de crédito emergencial de R$ 100 milhões.
No Ceará, o segundo maior exportador, foram 17,46 milhões de pares embarcados por US$ 104,28 milhões, enquanto São Paulo aparece em seguida, com 3,65 milhões de pares e US$ 52,95 milhões em receita.
Já Minas Gerais, embora menos afetado diretamente nas exportações, teme os efeitos colaterais no mercado interno. O presidente do Sindicato das Indústrias de Calçados, Bolsas e Cintos de Minas Gerais (Sindicalçados-MG), Luiz Barcelos, alerta para o desequilíbrio que pode surgir: “Com o bloqueio do mercado externo, empresas do Sul terão que escoar seus estoques no Brasil, aumentando a concorrência e pressionando os preços”.
Só o Rio Grande do Sul exportou US$ 232,7 milhões no semestre
Reação do setor
A Abicalçados já solicitou ao governo federal uma série de ações emergenciais para proteger a indústria calçadista nacional diante dos impactos do tarifaço norte-americano. Entre as medidas pleiteadas estão a criação de linhas de crédito para cobrir os Adiantamentos sobre Contrato de Câmbio (ACC), a ampliação do programa Reintegra para exportadores, a liberação imediata dos créditos acumulados de ICMS e a reedição do Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda (BEm), adotado durante a pandemia de Covid-19 como forma de evitar demissões em massa.
A entidade também manifesta preocupação com a participação brasileira em feiras internacionais previstas para agosto nos Estados Unidos, já que as novas tarifas tornam os produtos nacionais menos atrativos para compradores estrangeiros.
“Sem uma resposta rápida do governo, corremos o risco de perder não só empregos, mas também a relevância do Brasil como fornecedor de calçados no cenário global”, enfatiza Haroldo Ferreira.
Importações em alta preocupam
Outro ponto de alerta é o crescimento das importações de calçados, que somaram 22,36 milhões de pares e US$ 271,84 milhões no primeiro semestre, altas de 19,4% em volume e 21,3% em receita. Os principais países de origem foram China (7,6 milhões de pares), Vietnã (6,5 milhões) e Indonésia (4,3 milhões).
O aumento das importações e a perda de competitividade nas exportações acendem um sinal vermelho para a balança comercial do setor. A entrada de produtos asiáticos no mercado interno, somada ao redirecionamento da produção brasileira que antes era exportada, pode gerar um ambiente de saturação, com queda de preços e margens reduzidas para as empresas nacionais.
Cenário exige articulação urgente
O impacto do tarifaço vai além da economia setorial. A ameaça à geração de empregos, ao equilíbrio regional e à cadeia produtiva exige ação coordenada entre os governos federal e estaduais. Para os empresários, é urgente garantir mecanismos de compensação e estímulo à competitividade, antes que os danos se tornem irreversíveis.
A indústria calçadista brasileira, reconhecida internacionalmente pela qualidade e design, vive um momento de incerteza. O que era um semestre promissor, com aumento nas exportações, pode se transformar em retração, se não houver medidas rápidas e efetivas para enfrentar os efeitos da nova política tarifária dos Estados Unidos.
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